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ONU questiona Brasil sobre Mariana, trabalho escravo e discriminação contra gays

05 de Maio de 2017

Brasil

ONU considerou um retrocesso a extinção das Secretarias Especiais das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos

Em um momento em que o governo brasileiro ainda padece de falta de respaldo internacional, o Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas questionará o país sobre retrocessos em andamento. Nesta sexta-feira (5), o grupo de trabalho da Revisão Periódica Universal (RPU) da ONU apresentará relatório sobre o Brasil para a comunidade internacional, denunciando temas como inação no desastre ambiental de Mariana (MG) e falhas nas políticas de combate à discriminação e ao trabalho escravo, além da ineficiência nas ações para garantia de direitos de pessoas presas.

O elevado número de pessoas encarceradas sem julgamento tem levado o Brasil a sucessivas condenações por parte da Nações Unidas.

Na publicação, a ONU diz estar “preocupada” com o fato de debates sobre questões de gênero terem sido excluídos de planos estaduais e municipais de educação em diversas regiões do país e criticou o fato de políticas para criminalização de homofobia terem evoluído pouco no Congresso Nacional. “Ele (o comitê da ONU) recomendou que o Brasil decrete legislação para proibir discriminação e incitamento de violência com base na orientação sexual e na identidade de gênero”, diz o relatório.

“A proposta do Estatuto da Família, que exclui lésbicas, gays, transgêneros e transexuais do conceito de família, e a proposta de criação de um dia nacional do orgulho heterossexual ganharam apoio no Congresso, enquanto propostas como garantia de identidade de gênero e criminalização da homofobia não tiveram qualquer progresso”, afirma o texto.

A revisão periódica é um processo único que envolve um exame da situação dos direitos humanos de todos os 193 Estados-membros das Nações Unidas a cada quatro anos e meio. Os governos apresentarão relatórios mostrando as medidas que tomaram para promover recomendações feitas nas revisões anteriores e quais políticas adotaram para avançar na proteção aos direitos humanos. A delegação brasileira será chefiada pela ministra dos Direitos Humanos, Luslinda Dias de Valois Santos.

Além do Brasil, outros 13 países terão a situação dos direitos humanos examinada em Genebra. As avaliações a que o Brasil já foi submetido ocorreram em abril de 2008 e maio de 2012. O país receberá novas sugestões dos países membros sobre áreas que devem ter prioridade. Até setembro o governo brasileiro irá analisar as sugestões e decidir se vai acatá-las ou não.

O relatório da ONU considerou um retrocesso a extinção das Secretarias Especiais das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, que foram fundidas em 2015 pela ex-presidente Dilma Rousseff no Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos. Quando Michel Temer assumiu, ainda como presidente interino, extinguiu a pasta e transferiu as responsabilidades para o Ministério da Justiça que, na ocasião, passou a ser Ministério da Justiça e Cidadania. Em dezembro, após uma série de críticas, recriou a pasta dos Direitos Humanos.

“Em novembro de 2016 cinco titulares de mandato espacial (da ONU) solicitaram ações imediatas para enfrentar o impacto do catastrófico rompimento da barragem de rejeitos do Rio Doce em Mariana em novembro de 2015”, relembra o relatório, afirmando que as Nações Unidas, que na época considerou urgente assegurar acesso à água potável no município. “Em julho de 2016, um grupo de especialistas em direitos humanos nas Nações Unidas condenou a decisão da Suprema Corte de suspender o plano de reparação ambiental firmado entre o governo e a Samarco Mining S.A.”

Para os relatores da ONU, a aprovação da lei antiterrorismo em 2016 aumentou a preocupação sobre atividades regulares promovidas por movimentos sociais e por organizações da sociedade civil, que não têm relação com terrorismo, e podem ser enquadradas na lei. Os especialistas se disseram preocupados também com o tratamento dado aos presos, com a violência contra povos indígenas e com práticas racistas das polícias.

Relatório do Brasil

O relatório que será apresentado pelo governo brasileiro foi revisto após ser alvo de fortes críticas de organizações de direitos humanos e de órgão como a Procuradoria Federal dos Direitos dos Cidadãos e a Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados por estar “distante da realidade”. As críticas ao conteúdo e ao tom foram tamanhas que o governo chegou a ampliar o prazo para a apresentação de sugestões pela sociedade civil.

Apesar de reconhecer avanços na linguagem e na metodologia na segunda versão, que será apresentada em Genebra, as instituições mantiveram críticas em relação ao conteúdo do relatório.

O rompimento da barragem da Samarco, em Mariana, o mais grave acidente ambiental da história do país, nem sequer aparecia na primeira versão do documento. Na nova versão, segundo a coordenadora de Política Externa da organização não governamental Conectas, Camila Asano, em lugar de corrigir adequadamente o vazio, faz apenas uma breve menção burocrática – num claro reflexo da maneira com que o governo vem tratando a questão ao longo do Rio Doce. "O assunto mereceu menos de 15 palavras."

O desastre aparece no parágrafo 145, na última página do documento, em seção dedicada ao meio ambiente: “O Brasil ratificou o Acordo de Paris em 2016 e está comprometido a reduzir as emissões de carbono em 37% até 2025 e em 43% até 2030. Isso demonstra o firme compromisso do Estado brasileiro com a questão ambiental. No plano nacional, persiste o desafio de efetivação de políticas públicas e normativas ambientais. Um exemplo é o ocorrido na cidade de Mariana, Minas Gerais, em 2015”, diz o relatório do governo brasileiro.

Outros temas apontados durante audiência pública na Câmara dos Deputados para discutir a primeira versão do relatório permaneceram fora do documento final, como a repressão policial em protestos e a aprovação da Emenda Constitucional 95, que congela o investimento público em áreas como saúde e educação pelos próximos 20 anos.

Após a reunião oficial da manhã, organizações da sociedade civil e do Legislativo realizarão uma audiência extraoficial para discutir a participação do Brasil e os novos desafios para garantia de direitos humanos.

Fonte: Rede Brasil Atual