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Escrito por: Outros

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Legalização do aborto: uma luta a ser enfrentada

26 de Abril de 2016

No mundo são quase 60 milhões de aborto no ano, aproximadamente 126 mil por dia

Por Junéia Batista

Em países onde o aborto é criminalizado o número de aborto é alto. Sete milhões de mulheres são internadas por ano por complicações de saúde provocadas por abortos clandestinos. Também todos os anos 22 mil morrem pelo mesmo motivo. O dado é de um estudo feito em 2012 em mais de 26 países em desenvolvimento, dentre eles o Brasil, e publicado em agosto de 2015 no Journal of Obstetrics & Gynaecology (BJOG).

Nos países onde o aborto não é crime como Holanda, Espanha e Alemanha, nós observamos uma taxa muito baixa de mortalidade e uma queda no número de interrupções voluntárias da gravidez, porque passa a existir uma política de planejamento reprodutivo efetiva.

O Uruguai, que descriminalizou o aborto em outubro de 2012, também tem experimentado quedas vertiginosas tanto no número de mortes maternas quanto no número de abortos realizados. Segundo números apresentados pelo governo, entre dezembro de 2012 e maio de 2013, não foi registrada nenhuma morte materna por consequência de aborto e o número de interrupções de gravidez passou de 33 mil por ano para 4 mil. Isso porque, junto da descriminalização, o governo implementou políticas públicas de educação sexual e reprodutiva, planejamento familiar e uso de métodos anticoncepcionais, assim como serviços de atendimento integral de saúde sexual e reprodutiva.

No Brasil o aborto é criminalizado, mas o número de mulheres que abortam só aumenta.  A cada dois dias, uma brasileira morre por aborto inseguro, problema ligado à criminalização da interrupção da gravidez e à violação dos direitos da mulher. Por ano, mais de um milhão de abortos e 250 mil internações são feitas no Brasil.

Segundo artigo 124 do Código Penal, de 1940, a mulher que praticar o aborto pode ficar até 3 anos presa. Só é permitido quando há risco de saúde para mãe ou em casos de estupro.  (Mas já está em trâmite no Congresso Nacional o projeto de Lei 5069 de autoria do Deputado Eduardo Cunha e seus aliados quer criminalizar o aborto das mulheres vítimas de violência sexual).

E se depender do Congresso Nacional tende a ter retrocessos. Existem quatro frentes parlamentares contra a legalização do aborto, uma delas com mais de 200 deputados (a Câmara tem 513 cadeiras) ligados a chamada bancada da bíblia. Muitos declaram abertamente estar a serviço de sua Igreja, deixando de lado o dever de representar eleitores e não levando em consideração que o estado é laico.

Além de tudo, os parlamentares não podem esquecer, ou se omitirem vergonhosamente, que o país descumpre o compromisso assumido com a ONU nas Conferências do Cairo, em 1994, e de Beijing, em 1995. Nelas, o país se comprometeu a rever as legislações punitivas para as mulheres que decidem livremente interromper a gravidez.

A posição da CUT em relação ao aborto

Em seu IV Congresso no ano de 1991, a Central Única dos Trabalhadores aprovou o posicionamento favorável a legalização e descriminalização do aborto.

A legalização e descriminalização do aborto é parte de um conjunto de transformações necessárias que almejamos para uma vida livre, sem opressão dos padrões de sexualidade. Toda vez que ocultamos e silenciamos sobre este fato perdemos a oportunidade de adquirir maior conhecimento, informação, proteção e principalmente acolhimento e solidariedade.

 

“E preciso discutir a proposta de legalização do aborto também do ponto de vista das desigualdades sociais e econômicas. O problema da criminalização do aborto também reflete uma desigualdade de classe. As mulheres que morrem em decorrência de abortos inseguros são, em sua ampla maioria, pobres, negras, camponesas, donas de casa e da periferia. São essas as mulheres que têm menos acesso a métodos anticoncepcionais, a informação e a serviços de saúde. Aliás, também são essas que representam a maior vulnerabilidade diante das denúncias, punições, humilhações e abusos quando recorrem ao serviço público de saúde em processo de abortamento.”[1]

Nossa luta por autonomia passa por decidir se queremos ter filhos ou não, e também sobre o uso de métodos contraceptivos adequados ao nosso estilo de vida e principalmente a vivência de uma sexualidade livre, prazerosa e sem violência. Para isso, precisamos de um movimento amplo, capaz de mobilizar e alterar a correlação de forças de nossa sociedade e comprometido com a plataforma da Frente Nacional Contra a Criminalização das Mulheres e Pela Legalização do Aborto.

Frente Nacional Contra a Criminalização das Mulheres e Pela Legalização do Aborto

Em 2008 o movimento feminista criou a Frente Nacional contra a criminalização das mulheres e pela legalização do aborto com o objetivo de congregar todos os movimentos em prol dessa luta. Ressaltamos que além de afirmar a necessidade de legalizar o aborto para que as mulheres sejam atendidas com dignidade, outra motivação para a criação da Frente foi o processo de perseguição e criminalização que naquele momento sofriam especialmente as mulheres do Mato Grosso do Sul. No ano de 2007, naquele estado, uma clínica clandestina para interrupção da gravidez foi invadida pela polícia, que apreendeu prontuários e fichas de 10 mil pacientes, que haviam cometido aborto. Em decorrência disso 1,5 mil mulheres foram processadas.

Em 2010 a Frente Nacional contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto elaborou a plataforma de luta sobre a legalização do aborto como instrumento de discussão na sociedade e nos movimentos sociais.

No meio do nosso caminho teve muitas pedras, mas também luta e resistências.

Para que esse debate chegasse a um número maior de mulheres, como parte da estratégia, a Frente buscou organizar-se nos estados.

A frente manteve um grupo impulsor por meio do qual todas que participamos trocávamos informações e organizávamos nossas reuniões, plenários e outras ações.

No último período o setor da direita do Congresso Nacional (conservadores, machistas e misóginos) apresentou diversos projetos de leis com o objetivo de reduzir direitos, criminalizar as mulheres que recorrem ao aborto e de quem as acolhe.

Nesse processo de luta e resistência foram importantes as ações do Fora Cunha, que a Frente teve um protagonismo importante. Além disso, a participação das jovens nas manifestações pela democracia, na ocupação das escolas, nas iniciativas culturais das periferias são aspectos a serem ressaltados.

 

Dengue, Chikungunya, Zika Vírus e microcefalia

É importante que a Frente construa uma linha de argumentação para responder às demandas que aparecem frente a essas epidemias, afinal, os impactos de situações como essas são diferenciados para a vida de mulheres e homens.

Nós, mulheres da CUT, que lutamos pela ratificação da Convenção 156, que trata da não discriminação de mulheres e homens com responsabilidades familiares, acreditamos ser fundamental ter argumentos e políticas para enfrentar essa situação.

Nosso foco deve ser a não criminalização das mulheres e a legalização do aborto.

As situações que mostramos acima demonstram que há muitos aspectos a serem pensados na nossa luta, mas para não enfraquecer a nossa estratégia, que é a legalização do aborto, é fundamental, que não nos desviemos e não percamos o foco.

Temos um horizonte e uma luta e não podemos aceitar fazer uma luta por etapas, temos que focar nossa luta para fortalecer nosso objetivo.

Os conservadores estão com projetos para aumentar a pena para quem faz aborto e diante dessas iniciativas não podemos recuar.

Por todas estas questões é necessário que os movimentos feministas, movimentos sociais e as entidades sindicais tenham o compromisso de eleger mais mulheres da classe trabalhadora ou que sejam comprometidas com nossas necessidades.

“Muito mais, precisamos acirrar nossa luta para garantir um Estado laico no qual as mulheres quando decidirem fazer um aborto possam utilizar a Saúde Pública, conquistada com anos de árdua luta para garantir um atendimento justo e digno.”[2]

Não vamos dar um passo atrás na luta pela legalização do aborto. Continuaremos nossa luta até que todas tenhamos direito e condições de decidir sobre nossos corpos.

Junéia Batista é Secretária Nacional da Mulher Trabalhadora da CUT