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600 mil indústrias fecharam em 4 meses

19 de Setembro de 2022

Brasil

Para o economista Marcio Pochmann país regrediu 100 anos na área industrial; cenário impacta na perda de empregos com registro e bons salários

CUT Brasil |Escrito por: Rosely Rocha | Editado por: Marize Muniz

A medida eleitoreira de reduzir os preços dos combustíveis pelo menos até 2 de outubro segurou a escalada da inflação, apesar de não ter derrubado os preços dos alimentos, mas isso não significa que a economia está “bombando”, como vem dizendo a equipe de Jair Bolsonaro (PL). E são as estatísticas oficiais que provam que o governo não está falando a verdade, segundo análises de especialistas da área econômica.

Se por um lado o nível de emprego sobe, por outro, a maioria é sem carteira assinada, e os salários estão cada vez mais baixos. As famílias estão cada vez mais endividadas; e as grandes empresas e indústrias capazes de gerar bons empregos, com direitos, estão fechando, com multinacionais saindo do Brasil.

Os dados do Ministério da Economia apontam uma onda de redução no número de aberturas de empresas e avanço nos casos de fechamento neste ano. Entre maio e agosto, o balanço apontou para o fechamento de mais de 600 mil indústrias. A quantidade é cerca de 10% maior do que o registrado no quadrimestre anterior e quase 25% superior ao patamar do mesmo período no ano passado.

O movimento já vinha acontecendo desde 2020, ano em que perdemos 2.865 empresas do setor, de acordo com cálculos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados em julho passado.
A fragilidade da economia do país também pode ser constatada pelo número de empresas abertas por microempreendedores individuais, em 2021 - correspondentes a 78,48% do total.  Ou seja, nos últimos três anos, a economia vem cambaleando e sem perspectiva de ajudar a melhorar a vida d@s brasileir@s.
 
Análise
Ao microfone, o professor Márcio Pochmann
 
Professor de Economia da Unicamp, Marcio Pochmann explica que o problema do Brasil atualmente é o fim de uma política industrial que havia sido incrementada nos últimos anos, preterida pelo atual governo em favor do agronegócio para exportação.
 
“É uma economia voltada para a exportação e o mercado de consumo interno é voltado para bens de consumo não duráveis; o restante vem por importação”, diz o economista.
 
O que acontece, prossegue, é que, de um lado, já estamos há um bom tempo sem crescimento; a economia vive um quadro de estagnação com inflação alta e, o governo estimula o consumo por meio por programas sociais.
 
E dada a dimensão da pobreza, acrescenta o economista, esses recursos vão para bens de consumo não duráveis, como alimentação, vestuário, calçado, aluguel, pagar dívidas. ”Essas iniciativas são artificiais, de não consumo de bens duráveis, como automóveis, casas, produtos com valores maior do que o salários”, diz o professor.
 
“Na verdade, os pobres são intermediários por receber essa transferência de renda, que é positiva, mas transfere para quem tem poder de mercado por causa da inflação como os bancos, quando estão endividados”, afirma Pochmann.
 
Desindustrialização é opção de governo
 
A exportação de produtos primários perdura no Brasil por mais de quatro séculos e a desindustrialização é a ponta do iceberg da instabilidade econômica do país; com a desestruturação do sistema produtivo, que era complexo, diversificado e integrado, que praticamente não se produz mais aqui, analisa o economista.
 
“O Brasil está se especializando em exportar serviços primários. A nossa competitividade está dada pelo baixo custo do trabalho e abundância dos recursos naturais, não é tecnológico. Desde 1990, fomos perdendo capacidade de competir no exterior, por juros altos e a própria valorização cambial”, diz.
 
"Os governos do PT reagiram a isso, construíram convergência entre a tecnologia, a ciência e o sistema produtivo; quando isso estava maturando, houve rompimento com o golpe contra a ex-presidenta Dilma Rousseff, e o Brasil voltou a 100 anos, para a década de 1920, em ser exportador de bens primários", completa Marcio Pochmann.
 
Baixos salários impedem consumo de bens duráveis
 
O economista acredita que o Brasil fez uma escolha na divisão internacional do trabalho; optou por uma economia de baixos salários, inclusive, com o governo atual acabando com a Política de Valorização do Salário Mínimo, que, durante os governos do PT, foi reajustado acima da inflação, com ganho real de 74,33%.
 
Para Pochmann, a Reforma Trabalhista, em 2017, consolidou e legalizou o que já estava em curso, após o golpe em 2016.
“Com salários mais altos, é possível melhorar o bem estar da população de baixa renda, permitindo que empresas grandes não fechem por não ter demanda na produção”, diz Pochmann.
 
O economista também credita à Reforma da Previdência, aprovada em 2019 na gestão Bolsonaro, a impossibilidade de que os ocupados de hoje se aposentem. A Lei Geral de Terceirização, opor sua vez, liberou a selvageria no mercado, derrubando ainda mais o poder de compra das famílias e, portanto, a capacidade de consumo de bens duráveis.
 
Para um futuro com maior industrialização, melhores salários e retomada da economia, o economista diz que sua velocidade se dará pela capacidade política de colocar essas ações em movimento.
 
“Pode demorar mais porque essa situação favorece alguns setores, como o agronegócio e o mercado financeiro e até do exterior. Por isso, é preciso a construção de uma maioria política que defenda o crescimento com distribuição de renda e fortalecimento do emprego”, conclui.