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Para Jessé Souza, corrupção é permitir que meia dúzia de super-ricos ponha no bolso a riqueza nacional que deveria ser de todos

09 de Maio de 2018

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Professor da UFABC debateu a natureza ideológica da crise nesta segunda, 7, no Sindicato dos Químicos do ABC

O professor da UFABC, escritor e sociólogo Jesse Souza esteve na manhã da segunda-feira, 7 de maio, no Sindicato dos Químicos do ABC, em Santo André (SP), para um debate sobre a natureza ideológica do golpe. A atividade integra o programa de formação política da diretoria do Sindicato, que promove a cada dois meses uma palestra, seguida de debate, sobre temas que contribuem para a ação sindical em defesa dos trabalhadores e trabalhadoras.

O ponto central da palestra de Jessé Souza foi um resgate histórico da atuação da elite brasileira que sempre usou o Estado para manter privilégios e nunca aceitou a redistribuição de renda nos governos populares.

Para ele, temos hoje no país a mesma estrutura da escravidão, porém com outras máscaras. E isso vem sendo perpetuado por que a elite paulistana, ao perder seu poder em 1930, com a revolução de Getúlio Vargas, percebeu como grande inimigo o sufrágio universal (eleições) e que só poderia recuperar o poder e se manter nele por meio do controle das ideias da sociedade.

“Ali se monta o bloco antipopular que vai marcar o Brasil moderno. E essa elite foi sofisticada: ela tinha o poder econômico e tinha perdido o poder político. Ela decidiu criar um poder ideológico, para que, mesmo longe do poder político, ela pudesse reconquistá-lo e manter a dominação sobre a sociedade como um todo pelo nível das ideias”, explica.

Esse processo foi aprofundado durante a ditadura militar e a partir da década de 70 temos uma situação onde 20% da população se contrapõe a 80%. “Temos dois planetas no mesmo país: uma escola para os 20%, outra para os 80%; um tipo de atendimento a saúde para os 80% e outro para os 20%. Quase não vai ter comunicação possível entre esses dois mundos: uma Bélgica e uma Índia no mesmo território”, disse.

Criminalizar para controlar

“Nesse mundo dominado pelo dinheiro e poder, a gente acha que as ideias são individuais. Isso nos faz burros, pois somos colonizados por essas ideias. E quando não se consegue fazer autocrítica, a gente repete o erro”, pontuou Jessé. “A elite brasileira não é modernizadora, é uma continuidade. A grande preocupação dela é o controle do Estado. Essa elite, dona dos mercados, precisa do controle do Estado para usá-lo, precisa da polícia do Estado, precisa criminalizar seus inimigos, então a posse do estado pela elite é fundamental”.

Para ter sempre o Estado nas mãos, o que essa elite faz? Criminaliza a política com a ideia de que todos os políticos e governos são corruptos. “Quando se criminaliza a política, pode-se colocar gente dela no poder”, observa o professor.

O raciocínio do tipo “entregar a Petrobras para os estrangeiros é melhor que deixá-la para nossos políticos corruptos” se torna justificável no contexto das ideias de que o estado brasileiro é corrupto, mas o mercado não, o que não é verdade. Para Jessé, a verdadeira corrupção é a do mercado. 

"A narrativa que nos faz de imbecil é dizer que a política está sendo comprada por indivíduos. Isso não é verdade: a política é comprada pelos interesses privados organizados no mercado, que é muito diferente disso. Precisamos pensar a corrupção como dado da política; e a corrupção real é a corrupção do mercado, que compra a política para isso. Deixar isso claro, para mim, é o ponto principal. E aí que você tem um extraordinário mote para desconstruir essa balela de Lava Jato", observa Jessé.

“Daí a importância da crítica das ideias dominantes. Combatê-las é um processo de aprendizado para nos libertarmos da situação de imbecilidade e idiotia que penetrou tão profundamente no imaginário da população”, destaca.

Para o professor, a perseguição que está havendo com Lula e PT não tem nada a ver com a corrupção. O ódio a Lula começa quando ele toca nessa distância entre a elite (os 20%) e os pobres (80%).

Foi o conjunto de ideias falsas, repetidas sistematicamente, que tornou possível a grande farsa do golpe de maio de 2016 e de todos os outros golpes supostamente contra a corrupção, defendeu o professor.

“Sem o consenso intelectual, conservador prévio, a mídia não poderia ter sido tão eficaz na sua obra de fraudar sistematicamente a realidade para a legitimação da trama do golpe de 2016 e para justificar o injustificável assalto ao bolso coletivo” – a verdadeira corrupção tornada invisível – em nome da corrupção seletiva, para inglês ver, só do Estado e de suas empresas”.

Para conhecer um pouco mais do pensamento do professor Jessé Souza, que recebeu o Prêmio Jabuti de Ciências Humanas, você pode ler as obras:

- A Elite do Atraso – da escravidão à Lava-jato

- A radiografia do golpe

- A tolice da inteligência brasileira