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VoltarA Europa quer derrubar a política industrial brasileira
28 de Novembro de 2014
Na OMC, dirigida por Roberto Azevedo, a UE tenta avançar no mercado nacional às custas do crescimento brasileiro Por João Cayres Em uma entrevista...
Na OMC, dirigida por Roberto Azevedo, a UE tenta avançar no mercado nacional às custas do crescimento brasileiro
Por João Cayres
Em uma entrevista coletiva em novembro de 2010, durante encontro do G20 (esse mesmo que se reuniu há alguns dias na Austrália e que reúne as 20 maiores economias do mundo), o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez uma análise sobre a saída para a crise instalada a partir de 2008.
Na ocasião, Lula disse que na crise os países – se quisessem uma saída solidária, como a que tentavam apontar os presentes àquela reunião do G20 (chefes de Estado e de Governo, Ministros de Fazenda e presidentes de Bancos Centrais) –, não poderiam tentar puxar as economias pelo comércio, pois na área comercial não existia solidariedade, mas competição (porque ao saldo de um corresponde o déficit do outro).
O então presidente brasileiro assinalou que, se quisessem buscar a saída da crise solidariamente – que era o que apontavam os documentos do G20 entre 2008 e 2010 –, os governos deveriam estimular um aumento do consumo interno, seja incentivando o consumo das famílias, seja ampliando os gastos públicos e, dessa forma, retornar a um ambiente em que os investimentos produtivos voltassem a ser atrativos. Foi uma avaliação bastante precisa.
Entretanto, a União Europeia, depois de salvar parte dos bancos privados e dos especuladores financeiros – às custas de uma crise aguda de vários de seus membros, com recessão e alto desemprego, como Itália, Irlanda, Espanha, Portugal, Grécia, Chipre, Romênia, Bulgária e outros –, ainda prefere insistir em um caminho muito pouco solidário e bastante conflituoso: o caminho dos ajustes fiscais prolongados (e contraproducentes, como mostram as projeções de crescimento para este ano e para 2015 dos próprios Fundo Monetário Internacional e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, apontando agora a estagnação nos próprios países que constituem o eixo central da UE, a França e a Alemanha).
Como parte de sua estratégia de busca de novos mercados às custas do crescimento de outros países, a UE nem bem esperou esfriar o nosso processo eleitoral e já no último dia de outubro apresentou à Organização Mundial do Comércio (OMC) questionamento em relação às políticas de incentivos à produção no Brasil – isso apesar de estar em curso um processo de negociação com a própria UE para um acordo comercial com o Mercosul, bloco do qual o Brasil é o membro mais robusto. Em sua argumentação, a União Europeia chega a afirmar que busca defender os consumidores brasileiros que, segundo ela, gastam mais para comprar produtos que, no exterior, custam menos – quanta generosidade! Programas como a redução de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para a indústria automobilística ou o Inovar-Auto estão na mira dos europeus.
A estruturação de um “painel”, como este processo é conhecido na OMC, em relação à política industrial do governo DilmaRousseff deveria chamar a atenção da sociedade brasileira para alguns pontos.
O primeiro é que, desde o começo da crise em 2008, o conjunto de países de fato ficou mais “protecionista” no cenário internacional, o que não é novidade (como diz o velho ditado: “farinha pouca, meu pirão primeiro”). Defendendo como podiam seus mercados domésticos, todos procuraram reagir, o que resultou em uma diminuição real dos fluxos de comércio internacional.
Entretanto, vale lembrar que os principais países capitalistas possuem poderosos mecanismos financeiros de defesa de seus mercados e incentivos a seus produtores, enquanto nos países em desenvolvimento as defesas se concentram em mecanismos fiscais e tarifários. Assim, é preciso visualizar o quanto, de fato, a OMC e outros organismos regidos por regras que refletem os anos de hegemonia liberal, não seriam de fato espaços bastante assimétricos, nos quais o poder real de defesa de seus produtores vale para uns mas não vale para outros, dependendo do mecanismo de proteção adotado.
Segundo, é preciso avaliar até que ponto os europeus estão adotando as posturas de impedir que outros utilizem políticas industriais que eles adotaram no passado para se desenvolver, como avalia o economista sul-coreano Ha-Joon Chang, em seu já clássico livro Chutando a Escada, no qual aponta que uma das principais estratégias dos países desenvolvidos na institucionalidade internacional é criar mecanismos para impedir as nações em desenvolvimento de usarem os mesmos artifícios que eles utilizaram para crescer no passado.
Terceiro, temos que repensar o papel da Organização Internacional do Trabalho (OIT) neste novo contexto, diante do papel preponderante da OMC, cujas decisões são imperativas e devem ser cumpridas. A OIT tem um papel acessório de fazer recomendações que não são imperativas. Por isso, tanto faz se suas convenções são cumpridas, gerando assim desigualdades na relação capital-trabalho ao redor do mundo, chegando ao absurdo dos empresários quererem acabar com o direito de greve.
Finalmente, deve chamar a atenção o fato de que, a partir dos anos 1990, a institucionalidade que foi sendo criada nas instituições internacionais, como a OMC, ou em acordos bilaterais, plurilaterais ou bi regionais de comércio, objetiva mais do que tudo não o comércio, mas limitar a capacidade dos vários países – em especial os em desenvolvimento e subdesenvolvidos –, em levarem adiante políticas de desenvolvimento no âmbito nacional ou regional.
Assim, os desdobramentos do painel apresentado pela UE devem, antes de mais nada, chamar a atenção para os limites que esse tipo de acordo coloca para o desenvolvimento de países como o Brasil. Por isso, esse processo deve ser acompanhado com muita atenção pela sociedade brasileira.
Do ponto de vista do nosso País, é fundamental insistir na autonomia para a formulação de estratégias e políticas de desenvolvimento nacionais e, pensando além, construir também uma política de desenvolvimento no âmbito do Mercosul. Em um momento em que o comércio mundial segue estagnado e a demanda interna de vários setores patina, abrir mão da possibilidade de políticas de desenvolvimento pode ser um tiro no pé!
*João Cayres é secretário geral e de Relações Internacionais da Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT, integra o Comitê Executivo da IndustriALL Global Union e o Grupo de Reflexão por Relações Internacionais/GR-RI
http://www.cartacapital.com.br/blogs/blog-do-grri/a-europa-quer-derrubar-a-politica-industrial-brasileira-7427.html