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VoltarEscola Sem Partido: um misto de inquisição e Macarthismo
21 de Junho de 2016
Por André Jorge Marinho Diretor da CUT e CONTEE
Certamente, vivemos momentos sem precedentes na história da educação brasileira. O avanço de concepções totalitárias, com o argumento de combater a “doutrinação ideológica nas escolas”, apresenta reflexos no crescimento de ações sectárias e fundamentalistas contra os docentes e a escola pública.
As teses do movimento Escola Sem Partido – ESP têm alimentado uma verdadeira cruzada contra o que eles chamam de “doutrinação marxista” nas escolas. A acidez dos discursos remonta o Macarthismo, movimento inaugurado a partir das ideias do senador americano, Joseph McCarthy, responsável pela perseguição de artistas, políticos e cidadãos comuns nos EUA durante a década de 1950. Tinha como justificativa combater o comunismo, aos moldes da santa inquisição, iniciada no século XIII. Esse movimento tem promovido a perseguição de todos aqueles que ameacem as suas doutrinas.
Originado em São Paulo, no ano de 2004, o movimento tem atuado no âmbito nacional. Fundamentado no moralismo cristão, defende que a função da escola não é garantir educação e sim instruir, pois, quem educa, é a família. Temas como criacionismo e evolucionismo, por exemplo, podem ser considerados contrários às bases religiosas dos estudantes e docentes. Por isso, podem ser acionados judicialmente, como indica a página do movimento. Essa perspectiva é venenosa aos avanços científicos e remonta a uma época obscura, onde o pensar era abominável e restrito a poucos.
Mas afinal, o que sustenta essa concepção ideológica do ESP?
Em primeiro lugar, o fundamentalismo religioso. Na medida em que o movimento coloca a moral cristã como parâmetro, em meio a um país com tamanha diversidade étnica e religiosa, demonstra o caráter ultraconservador e alimenta a intolerância religiosa. Desconsiderando, inclusive, a própria Constituição Federal que assegura a liberdade de consciência e crença como direitos invioláveis pautados no respeito à diversidade de concepções.
Em segundo, o combate à doutrinação ideológica. Fundamentada por pensadores liberais como Olavo de Carvalho, a arquitetura ideológica do movimento desperta uma fúria inflamada contra a cidadania, solidariedade e diversidade cultural. Para o movimento, esses valores remetem de forma inequívoca ao discurso da esquerda. Nesse sentido, para o ESP, a escola não pode defender a cidadania como direito humano, valorizar a solidariedade e defender a diversidade cultural. Esse papel é da família. Ou seja, a base argumentativa secciona as relações individuais das coletivas produzindo uma bolha nas relações humanas. Sem dúvida, esse pensamento reforça a xenofobia e o totalitarismo.
A liberdade de expressão tem sido a cortina de fumaça para fomentar o discurso de ódio contra docentes e a escola pública. Em 2015, a prova de redação do ENEM teve como tema “a persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira”. Imediatamente, o ESP ingressou com ação de inconstitucionalidade ao tema, através de ação civil pública contra o presidente do INEP, alegando que a prova não assegurava o direito a outras respostas, o que geraria a eliminação do candidato que não se posicionasse contrário à violência contra a mulher. Sem titubear, o Ministério Público arquivou a ação frente à tamanha inconsistência argumentativa. No artigo de Miguel Nagib, fundador do ESP, adotando, como referencial teórico o twitter do músico Roger Moreira, da banda Ultraje a Rigor, afirmou: “Ganham zero ideias que desrespeitem os direitos humanos. Ué? Não é prova de redação? Ou é controle do pensamento?”.
Na prática, essa argumentação, reforçada por códigos morais baseados nas leis incontornáveis do sexo biológico, é parteira de uma narrativa na contramão dos valores humanitários. Sob a luz do macarthismo e da inquisição, envoltas no combate à ideologia de gênero e o comunismo, o ESP promove a desqualificação das lutas históricas dos movimentos feministas, antirracistas e LGBT e contribuem para a perpetuação das bases discriminatórias, violentas e opressivas pautadas pela homofobia, misoginia, racismo e machismo em pleno século XXI. O crescimento dessas ideias no Brasil, não apenas no campo educacional, mantém intimidade com outras expressões da ultradireita pelo mundo. Esse avanço ameaça a dignidade da pessoa humana, prevista em nossa Constituição Federal, tornando-a letra morta.
O movimento também tem se apresentado como ferrenho combatente dos partidos de esquerda, em especial, o PT. Esse ataque raivoso camufla o alinhamento político-partidário do ESP com setores conservadores e retrógrados da sociedade brasileira.
A sua base de articulação no Congresso Nacional passa pelo Deputado João Campos (PSDB-GO) criador do Projeto 234/11, mais conhecido com a Cura Gay, e líder da Frente parlamentar evangélica (detentora de 197 votos na Câmara). O Deputado Eduardo Cury (PSDB-SP), apoiador das reformas educacionais do governo Alckmin e defensor do papel da escola com atuação apenas no básico (Português e Matemática) e que articula no parlamento brasileiro o discurso da escola empreendedora e tecnicista. Outro é o Deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), coordenador do PSDB na Comissão de Educação e Cultura e responsável por um conjunto de audiências públicas na Câmara pró-ESP. Inclusive, a última audiência do dia 2 de junho de 2016, para debater a Base Nacional Comum Curricular – BNCC, com presença ativa do ESP, foi proposta por ele.
Além deles, Izalci Lucas Ferreira (PSDB-DF) cumpre papel estratégico. O deputado é o autor do PL 867/15 proposta que institui o Programa Escola Sem Partido nacionalmente. O parlamentar já protagonizou outros ataques à educação, inclusive o PL 6.003/13 que extingue as disciplinas de filosofia e sociologia das escolas. Ele também representa os interesses das escolas privadas e franquias internacionais da educação, vide os volumosos recursos a sua campanha em 2014, por esses setores.
O combate à escola pública tem sido a tônica desses parlamentares com o discurso da sua falência, a partir da responsabilização dos docentes. Afastam, propositalmente, a responsabilização de inúmeros governos pelo histórico de precarização da escola públicas. A solução defendida por eles está no repasse da administração das escolas públicas para o setor privado (vide o caso das escolas de Goiás). O discurso do ESP é tão ideológico como qualquer outro. Os acordos com PSDB e a defesa da privatização da escola pública desmascaram a imparcialidade do movimento.
A tramitação de propostas como: escola sem partido ou escola livre, está presente em inúmeras Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais do país, como tem denunciado o Movimento Liberdade para Educar. É preciso pressionar o legislativo e interromper a escalada dessas propostas. Só interessa uma escola que não escolariza aos que defendem a não escolarização da população mais pobre. A defesa é por uma escola com educação e não sem educação.
É preciso repudiar esse discurso macarthista e inquisidor. A pluralidade de ideias e concepções asseguradas pela Carta Magna e na LDBEN são avanços civilizatórios importantes e não podemos retroceder. Defender a escola pública, laica, gratuita e de qualidade não será feita com mordaça. Será feita com o avanço da cultura democrática e respeito às diferenças.