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Escrito por: Jacy Afonso de Melo

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MST: 30 anos de luta, suor e sangue pelo direito à terra

17 de Fevereiro de 2014

* Jacy Afonso     Fundado oficialmente em janeiro de 1984, quando da realização de seu 1º Congresso, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem...

Jacy Afonso retrato b

* Jacy Afonso

 

 

Fundado oficialmente em janeiro de 1984, quando da realização de seu 1º Congresso, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra completa 30 anos com um aprendizado acumulado pela história da formação camponesa que tornou o MST um movimento de referência no Brasil, na América Latina e no mundo da luta pela reforma agrária que o fez ocupar espaço político e garantir sua autonomia.

A história começa nas décadas de 70 e 80, quando mesmo em agonia, o regime militar era uma ameaça ao povo e as suas organizações. Trabalhadores sem-terra, indígenas expulsos de suas áreas e trabalhadores urbanos em condições sub-humanas nas periferias das cidades se unem em uma única organização e nasce o MST, com o lema "ocupar, resistir e produzir". Essa organização passa a romper, de forma subjetiva e de maneira concreta, a cerca do latifúndio no Brasil. Nesse período os conflitos fundiários triplicaram. Para conter e calar os trabalhadores o problema da terra foi militarizado, incorrendo nas mais diversas formas de violência: a privada, mantida pelo fazendeiro, com amparo da força pública; a da polícia apoiada na Justiça que decretava ações repressivas utilizando recursos dos grileiros e dos grandes latifundiários.

Com a consciência de que a terra é o lugar das pessoas plantarem raízes, as suas próprias e as originárias das sementes a ela lançadas, o MST iniciou a ocupação dos latifúndios, mostrando para a sociedade a injusta distribuição de terras no país. A terra, que significa o direito de trabalhar, o lugar de onde se tira o sustento da família, o direito de ter filhos com dignidade está até hoje, nas mãos dos poucos herdeiros das capitanias hereditárias. A terra também é lugar de fazer a história, de plantar o pão, onde os mortos descansam para sempre. E eles não faltaram na luta árdua e violenta travada nesses 30 anos. Os primeiros heróis a lutar contra a expropriação e a escravidão dos latifundiários e seus jagunços, apoiados por um Estado cúmplice de massacres foram os indígenas, os escravos, os emigrantes, os lutadores de Canudos, da Guerra do Contestado, do Cangaço que, desde a chegada dos portugueses encharcaram o solo com seu sangue.

No Brasil, historicamente, a terra tem o significado do sofrimento, da luta da resistência; desde o Tratado de Tordesilhas, que dividiu a América Latina, passando pela chegada dos portugueses e pelas capitanias hereditárias nosso chão é símbolo de segregação e de posse determinada, herdada de pai para filho. Vivemos 400 anos de escravidão do povo africano, arrancado de suas terras. Foram milhões de imigrantes europeus jogados em diferentes estados brasileiros para perseguirem pedaços de terra. E a história tem continuidade com a expulsão, pelo latifúndio e pela industrialização, de milhões de brasileiros que deixam seu solo e sua família e buscam em outras paragens sustento e dignidade.

A terra brasileira também traz as marcas e os sentimentos das Ligas Camponesas, organização política criada nos anos 50, com a clara manifestação contrária à propriedade privada da terra, ao assalariamento dos trabalhadores rurais e à mão de obra escrava.

A política da "modernização conservadora" promoveu o crescimento econômico da agricultura, concentrou ainda mais a propriedade da terra, aumentou a concentração da renda e as desigualdades, intensificou o controle fundiário, degradou o meio ambiente, acabou com nascentes, represou águas que, mediante a construção de barragens, engoliram a terra e expulsou mais de 30 milhões de pessoas que migraram para as periferias das cidades e/ou para outras regiões do país. O avanço do capitalismo transformou o meio rural com a mecanização e a industrialização de setores agrícolas. Provocou a degradação da terra e a poluição dos rios e matas com a pesada utilização de agrotóxicos. Esse modelo trouxe grandes transformações no campo. Aumentou as áreas de cultivo da monocultura da soja, da laranja, da cana-de-açúcar; intensificou a mecanização e, em consequência, o número de assalariados; agravou a situação da agricultura familiar; fez nascer o boia-fria.

A semente desses movimentos fez crescer a organização e os trabalhadores começaram a empunhar sua bandeira e armar suas barracas de lona preta entre a cerca e a estrada. Eram mais de trinta acampamentos. Na luta pela terra acampamento significa um lugar transitório para desafiar o modelo político, denunciar a exclusão e transformar a realidade.

No início dos anos 80 as experiências com ocupações de terra nos estados do Sul, em São Paulo e no Mato Grosso do Sul reuniram os trabalhadores e deram início ao processo de construção do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra que se constituiu com a articulação com outros movimentos sociais. A violência se intensifica; em 1985, último ano do governo militar, os jagunços e a polícia assassinavam um trabalhador rural a cada dois dias. Lembremos dos massacres de Santa Elmira, Eldorado dos Carajás, Corumbiara, Felisburgo, da luta de Roseli Nunes, Dorcelina Folador, Dom Pedro Casaldáliga, as mortes de Chico Mendes, padre Jósimo, missionária Dorothy Stang, do casal José Cláudio e Maria do Espírito, dentre muitos outros.

Em que pese o aumento das organizações que lutam pelo acesso à terra e pela justiça no campo, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra se tornou ao longo de sua existência uma organização cada vez mais determinada, mantendo-se firme, resistindo aos ataques e violências e seguindo o caminho proposto de realizar uma luta pacífica, ao lado da sociedade. Reafirma em 2014, no seu 6º Congresso que aconteceu em Brasília, sua luta e vocação para a solidariedade estabelecida com o povo brasileiro e com outros povos do mundo, para o enfrentamento ao capitalismo e suas consequências excludentes, aniquiladoras de vidas, segregadoras, que fortalecem desigualdades e injustiças.

As reflexões desse momento conduzem o maior movimento de massas do Brasil a ratificar suas lutas e empenhar sua força em favor da reforma agrária popular que devolva ao povo os bens do planeta que não pertencem exclusivamente a uns e outros exploradores. A terra, a água, as florestas nas mãos daqueles que verdadeiramente se preocupam com elas significam a volta às suas origens e a semente de uma sociedade justa, igualitária, sem exploradores, com dignidade para todos. Para tanto faz-se necessário democratizar o acesso à terra e transformar o atual modelo econômico destrutivo da natureza e das pessoas. É com esse olhar que o MST, neste Congresso, renova e amplia seus compromissos com a defesa da soberania alimentar, com a produção de alimentos saudáveis, com a agroecologia, com a preservação da natureza. Sem esquecer da educação como direito humano fundamental. Reafirma sua luta solidária pelo direito dos povos indígenas e dos quilombolas, pela igualdade entre homens e mulheres, pelo justiça social e pela construção do socialismo.

Milton Nascimento e Chico Buarque dizem na canção O Cio da Terra: "Debulhar o trigo, Recolher cada bago do trigo, Forjar no trigo o milagre do pão... E se fartar de pão."

 

* Jacy Afonso de Melo é bancário e Secretário de Organização da CUT