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Escrito por: Rosana Sousa de Deus e Rosane Silva

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Mulheres negras: o desafio de construir a igualdade

29 de Novembro de 2013

Ser mulher trabalhadora em uma sociedade machista, capitalista e racista, que desvaloriza o trabalho realizado por nós não é fácil. E essa...

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Ser mulher trabalhadora em uma sociedade machista, capitalista e racista, que desvaloriza o trabalho realizado por nós não é fácil. E essa situação se agrava ainda mais quando se trata das trabalhadoras e trabalhadores domésticos.

 

 

Por Rosana Sousa de Deus e Rosane Silva*

 

 

Neste mês que está se encerrando comemorou-se, em 20 de novembro, o “Dia Nacional da Consciência Negra”. Uma data importante para que nós, trabalhadoras e trabalhadores da CUT, possamos refletir sobre as situações enfrentadas pelos negros e, principalmente, pelas mulheres negras. Para iniciar essa reflexão mencionamos um trecho do texto que Márcio Pochmann fez para a apresentação da publicação Retratos da Desigualdade no Brasil, do Ipea.[i]
“As desigualdades de gênero e raça são estruturantes da desigualdade social brasileira. Não há, nesta afirmação, qualquer novidade ou qualquer conteúdo que já não tenha sido insistentemente evidenciado pela sociedade civil organizada e, em especial, pelos movimentos negro, feminista e de mulheres ao longo das últimas décadas. Inúmeras são as denúncias que apontam para as piores condições de vida de mulheres e negros, para as barreiras à participação igualitária em diversos campos da vida social e para as consequências que estas desigualdades e discriminações produzem não apenas para estes grupos específicos, mas para a sociedade como um todo".
Essa fala aponta para a necessidade de mudanças estruturais que alterem a vida das mulheres e da população negra.
Essa ressalta a importância de pensarmos a discriminação de gênero e raça não apenas como uma manifestação cultural, mas também como consequência de uma estrutura patriarcal, machista e racista que tem consequências materiais na vida das mulheres.

Mulheres negras em dados

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2012, recentemente divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontam que mulheres, pretos e pardos e pessoas que não completaram o ensino médio eram a maioria entre os desocupados no país no ano passado.[ii] Isso quer dizer que essas pessoas representam a maioria daquelas que estão em busca de alguma ocupação.
Outro dado dessa pesquisa mostra que a discriminação tem sexo e cor. O Programa Brasil Sem Miséria, entre 2002 e 2012, retirou 22 milhões de brasileiros e brasileiras da extrema pobreza – a maioria dos quais negras e negros. Porém, nesse mesmo período a participação da população negra naqueles considerados miseráveis cresceu 15%.
Segundo o consultor do Senado e ex-secretário executivo da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (SEPPIR), Mário Lisboa Theodoro, é possível comprovar esse quadro observando-se a evolução de pobres por raça/cor e gênero.
“Entre 2002 e 2012, a participação da população branca entre os pobres caiu 19,6% enquanto que a participação da população negra subiu 8,2%. Quando fazemos o corte por gênero e raça/cor, observamos que a maior redução se deu no caso dos homens brancos, cuja participação caiu 22,4%, seguido das mulheres brancas cuja participação entre os pobres caiu 17%. Já para o caso da população negra, o maior aumento incidiu sobre a mulher negra, cuja participação entre os pobres cresceu 10,6%, enquanto que no caso dos homens negros esse percentual subiu 5,9%”, afirmou.[iii]
Esses números demonstram que a população negra está mais afastada do alcance dessas políticas. Está mais distantes de sair da situação de extrema pobreza.
Esses dados demonstram que homens e mulheres negras tiveram mais dificuldade de sair da situação de vulnerabilidade. É uma realidade que necessita ser estudada para saber que dinâmica social causa essa desigualdade social e, a partir daí, estabelecer políticas que possibilitem à população negra, e em particular as mulheres, terem igualdade de condições de acesso aos programas que objetivam erradicar a miséria.

O trabalho das mulheres não é valorizado

Ser mulher trabalhadora em uma sociedade machista, capitalista e racista, que desvaloriza o trabalho realizado por nós não é fácil. E essa situação se agrava ainda mais quando se trata das trabalhadoras e trabalhadores domésticos.
Há muito tempo as trabalhadoras domésticas lutam pelos seus direitos e atualmente travam uma dura batalha para que o Congresso Nacional aprove a Proposta de Emenda Constitucional para garantir às trabalhadoras domésticas os mesmos direitos dos demais trabalhadores. Pois o trabalho que realizam é caracterizado pela informalidade, baixos salários e longas jornadas de trabalho.
Outra reivindicação das trabalhadoras domésticas, que a CUT tem apoiado ao longo dos últimos anos, é que o Brasil ratifique a Convenção 189 e da Recomendação 201, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras domésticas.
Conforme dados da PNAD, em 2012, no Brasil, havia 6,4 milhões de trabalhadores domésticos, sendo que 92% são mulheres.
Em relação à carteira assinada, há uma diferença entre homens e mulheres. Em 2012, o emprego sem carteira para as trabalhadoras domésticas representava 72%. Houve uma piora em relação a 2011, em que o emprego sem carteira era de 70,7%. Em relação aos homens os dados melhoraram. Em 2011 eles eram 53% sem carteira e caíram para 51% em 2012.[iv]
Em relação à média geral de salários de trabalhadores e trabalhadoras, considerando as variáveis de gênero e raça, as mulheres negras estão em pior situação. Dados divulgados, em 2011, no Anuário da Mulher[v] apontam que, em 2009, o rendimento médio mensal dos trabalhadores não negros era de R$ 1.534,00; das mulheres não negras R$ 1.001,00; dos homens negros R$ 839,00 e das mulheres negras R$ 558,00. Ou seja, as mulheres negras recebem aproximadamente 66% do que recebem os homens negros; 56% do que é pago às mulheres não negras e quase 1/3 (cerca de 36%) do que recebem os homens não negros.

O que esses dados nos mostram em relação ao mercado de trabalho?

Ao tratar das especificidades das formas de inserção das mulheres negras no mercado de trabalho, pretende-se contribuir para o debate sobre desigualdades raciais e de gênero.
A mulher negra é a que enfrenta mais discriminação no mercado de trabalho, sobre ela pesam os efeitos combinados da raça/etnia e gênero.
É fundamental avaliar o papel econômico das mulheres negras quando consideramos o trabalho que realizam para manutenção de suas famílias, mas, sobretudo, o papel que desempenham enquanto trabalhadoras domésticas remuneradas, sendo uma das maiores categorias deste país.
É importante lembrar que a história de nosso país teve um período de escravidão, no qual as mulheres negras desempenharam um papel econômico fundamental com as tarefas domésticas e de cuidados e na produção agrícola. Também inscreveram seus nomes como guerreiras e lutadoras contra todo tipo de discriminação e opressão.
Sem nenhuma ideia de vitimização, mas com a certeza de que “Aprenderam desde muito cedo na dureza das lavouras, do comércio informal, que sua vida valia apenas o que produzia”[vi], é fundamental aprofundar os debates e os estudos sobre os mecanismos de discriminação das mulheres no mundo do trabalho, avaliar as condições de acesso e permanência no mercado de trabalho levando em consideração a questão étnico/racial, como um fator de aprofundamento das desigualdades e colocar em prática políticas que promovam a igualdade de gênero e raça.

 

* Rosana Sousa de Deus é integrante da Executiva Nacional da CUT e diretora do Sindicato dos Químicos e Plásticos de São Paulo

* Rosane Silva é Secretária Nacional da Mulher Trabalhadora da CUT

 

 

___________________________________________________________________________
[i]
   Retratos das Desigualdades de Gênero e Raça. Ipea, 4ª edição, 2011. http://www.ipea.gov.br/retrato/pdf/revista.pdf
[ii]  
G1, 30 de setembro de 2013
[iii] 
http://www.afropress.com/post.asp?id=15592
[iv] 
A atualização dos dados referentes às trabalhadoras domésticas contou com a colaboração da economista Marilane Teixeira
[v] 
Anuário das Mulheres Brasileiras – Dieese - 2011
[vi]
Por Marcela Ribeiro - http://marchamulheres.wordpress.com/2013/07/25/mulher-negra-sinonimo-de-resistencia

 

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil