Escrito por: Paulo Souza
VoltarPor que dizer NÃO à redução da maioridade penal no Brasil
24 de Março de 2015
O foco das ações deve ser as causas do problema e não seus efeitos decorrentes.
Paulo Souza, secretário de juventude da CNQ
Os deputados membros da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados, podem aprovar, a qualquer momento, a PEC 171/93, que tem por finalidade alterar a Constituição Federal, reduzindo a maioridade penal de 18 para 16 anos no Brasil.
De acordo com a Constituição, os menores de 18 anos não podem ser imputados penalmente, por isso ficam sujeitos a punições específicas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que, este ano, comemora 25 anos de existência. O relator da PEC, deputado Luiz Couto (PT-PB), apresentou parecer contrário por considerar que as propostas ferem cláusula pétrea da Constituição. Ele argumenta que a PEC desrespeita o Pacto de São José da Costa Rica, tratado internacional de direitos humanos do qual o Brasil é signatário, segundo o qual os adolescentes devem ser processados separadamente dos adultos.
Para além das questões legais, este assunto exige da sociedade um entendimento ampliado para evitar conclusões precipitadas, fragmentadas e distorcidas. Ontem (23/03/15), em reportagem sobre o tema veiculada no Jornal Nacional da Rede Globo de Televisão, o jornalista Marcos Losekann, conclui sua matéria afirmando que “jovens e adolescentes se aproveitam da - não punição legal – para cometer crimes e infrações”. A intenção desta emissora, claro, é formar a opinião pública sobre este tema no calor das discussões no Congresso Nacional. Ou seja, não por acaso esta matéria foi veiculada com este teor distorcido e irresponsável. Distorcido porque a partir dos 12 anos, qualquer adolescente é responsabilizado por atos cometido contra a lei. Essa responsabilização, executada por meio de medidas socioeducativas previstas no ECA, têm o objetivo de ajudá-lo a recomeçar e a prepará-lo para uma vida adulta de acordo com o socialmente estabelecido. Se comparado a outros países, a idade de responsabilidade penal no Brasil não se encontra em desequilíbrio. De uma lista de 54 países analisados, a maioria deles adota a idade de responsabilidade penal absoluta aos 18 anos de idade, como é o caso brasileiro.
E irresponsável porque não há dados que comprovem que o rebaixamento da idade penal reduz os índices de criminalidade juvenil. Ao contrário, o ingresso antecipado no falido sistema penal brasileiro expõe os adolescentes a mecanismos/comportamentos reprodutores da violência, como o aumento das chances de reincidência, uma vez que as taxas nas penitenciárias são de 70% enquanto no sistema socioeducativo estão abaixo de 20%.
A violência não será solucionada com a punição, mas sim pela ação da sociedade e governos nas instâncias psíquicas, sociais, políticas, culturais e econômicas. O Estado brasileiro precisa se preocupar entre em tratar as causas e não o efeito. Agir punindo sem se preocupar em discutir quais os reais motivos que reproduzem e mantém a violência, só gera mais violência.
O ECA prevê seis medidas educativas: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação. Recomenda que a medida seja aplicada de acordo com a capacidade de cumpri-la, as circunstâncias do fato e a gravidade da infração. Ou seja, já existe a Lei, o desafio é cumpri-la dentro de parâmetros reais.
Até junho de 2011, cerca de 90 mil adolescentes cometeram atos infracionais. Destes, cerca de 30 mil cumprem medidas socioeducativas. O número, embora considerável, corresponde a 0,5% da população jovem do Brasil que conta com 21 milhões de meninos e meninas entre 12 e 18 anos.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) diz que o Brasil ocupa a 4° posição entre 92 países do mundo analisados em pesquisa. Aqui são 13 homicídios para cada 100 mil crianças e adolescentes; de 50 a 150 vezes maior que países como Inglaterra, Portugal, Espanha, Irlanda, Itália, Egito cujas taxas mal chegam a 0,2 homicídios para a mesma quantidade de crianças e adolescentes. Ou seja, se o Brasil chama a atenção por algum motivo é pela enorme proporção de jovens vítimas de crimes e não pela de infratores.
Considerando os dados, o UNICEF expressa sua posição contrária à redução da idade penal, assim como a qualquer alteração desta natureza. Acredita que ela representa um enorme retrocesso no atual estágio de defesa, promoção e garantia dos direitos da criança e do adolescente no Brasil. A Organização dos Estados Americanos (OEA) comprovou que há mais jovens vítimas da criminalidade do que agentes dela.
O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) defende o debate ampliado para que o Brasil não conduza mudanças em sua legislação sob o impacto dos acontecimentos e das emoções. O CRP (Conselho Regional de Psicologia) lança a campanha Dez Razões da Psicologia contra a Redução da idade penal, CNBB, OAB, Fundação Abrinq lamentam publicamente a redução da maioridade penal no país.
Por fim, é importante reafirmar: o foco das ações deve ser as causas do problema e não seus efeitos decorrentes.