Escrito por: Jacy Afonso
VoltarZumbi dos Palmares: referência de luta e libertação
24 de Novembro de 2013
* Jacy Afonso "Zumbi" significa força do espírito presente. Baluarte da luta negra contra a escravidão, o grande líder do Quilombo dos...
"Zumbi" significa força do espírito presente. Baluarte da luta negra contra a escravidão, o grande líder do Quilombo dos Palmares, descendente de guerreiros angolanos, é homenageado em 20 de novembro. A Lei 10.639/2003 estabeleceu essa data como o dia da Consciência Negra, marco histórico de reconhecimento da luta e da resistência de um povo expatriado e que, apesar da violência física e moral, lutou e luta incansavelmente e contribui para nossa história, cultura, política, organização social, religiões e gastronomia.
Infelizmente o dia 20 de novembro não é estabelecido como feriado nacional, o que seria uma justa homenagem à luta de negras e negros por igualdade; luta esta que se perpetua através dos séculos e tem muitas batalhas pela frente.
Reconhecemos muito pouco desse subsídio moral, social, literário, científico. O Estado brasileiro, escravista durante mais de trezentos anos e reestruturado por conceitos republicanos excludentes, impôs e estimulou conceitos de nacionalidade e construiu uma visão cultural distante da realidade multicultural do país, escamoteando, com o discurso da democracia racial, legitimada a partir de uma leitura política branca, que a cultura brasileira é permeada por valores negros.
O resultado da história, dos conceitos e do discurso de 500 anos de colonização, se apresenta como um tapa na cara quando observamos a organização social brasileira, especialmente temas como discriminação, desigualdade, injustiça, violência. Abordo aqui a questão do trabalho, apenas.
A maior pesquisa sobre os negros no mercado de trabalho, realizada pelo DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) durante todo o ano de 2013, atingiu 600 mil trabalhadores. Aponta que os negros correspondem a 48,2% dos ocupados. Recebem por seu trabalho, em média, 63,9% do recebido pelos não negros. Entre os trabalhadores com nível superior completo, a média por hora de rendimentos do trabalhador negro é de R$ 17,39, enquanto a dos não negros é de R$ 29,03.
Os dados apontam também que negros e pardos ocupam majoritariamente os postos de trabalho na base da estrutura produtiva. Lúcia Garcia, coordenadora da Pesquisa, avalia que esses empregos exigem, "menor potencialidade cognitiva, baixa intensidade de conhecimento, são mais difíceis, perigosos e repetitivos, exigem força física e pouca decisão ou criatividade".
O trabalhador negro recebe em média um salário 36,1% menor que o de um não negro, sendo que a diferença salarial e de oportunidades de trabalho se acentua nos cargos de chefia.
Em 2003, o presidente Lula, em missão oficial, percorreu países africanos e fiz parte da comitiva, a convite do próprio presidente. Nessas visitas ele não se cansou de pedir perdão aos povos daqueles países pelas atrocidades cometidas em nosso país. Sentia-se envergonhado por tanta exploração, tanta violência e tanto sofrimento, que apesar das centenas de anos passados ainda persistem e nos indicam a existência de uma dívida histórica com os descendentes desses povos.
O dia 20 de novembro é um momento de conscientização e de reflexão. Historicamente ocorreu uma valorização dos personagens de cor branca. Como se a história do Brasil tivesse sido escrita somente pelos europeus e seus descendentes. O sangue, o suor e as vidas dos negros e dos afrodescendentes não são considerados na construção da riqueza nacional.
Uma forma de reconhecimento da negritude conformativa de nossa sociedade, vivenciei em 20 de novembro de 1995, em Brasília, quando por iniciativa do então deputado distrital Miqueias Paz, no Governo de Cristovam Buarque e Arlete Sampaio, foi criada a Praça Zumbi dos Palmares, no centro de nossa capital. Na ocasião, a CUT Nacional, então presidida por Vicentinho, e a CUT Brasília , que tinha como presidente José Zunga, fizeram a doação de um busto de Zumbi, afixado na Praça.
Apesar da necessidade de revitalização, esse espaço abriga todos os anos ações para relembrar, fortalecer e renovar o desejo concreto de valorização da população negra. Hoje, inclusive, visitamos a praca, além de mim, dentre outros, Eduardo Guerra, presidente da Federação Nacional dos Portuários e da CUT nacional, Ernani Pereira, presidente do Sindicato Unificado da Orla Portuária do Espírito Santo e Roberto Miguel, Secretário de Organização da CUT Brasília.
Destacamos que ocorreram alguns avanços nas políticas públicas, como a criação das cotas nas universidades públicas, programas como o bolsa família, onde a maioria dos beneficiados são afrodescendentes, apoio ao desenvolvimento de uma dramaturgia afro-brasileira, capacitação para a representação adequada desse grupo humano significativo em nosso país.
A criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racional, em 2003, foi uma ação importante e nasceu do reconhecimento das lutas históricas do Movimento Negro brasileiro. E, recentemente, a presidenta Dilma propôs um projeto de criação de cotas para o serviço público.
Sem dúvida, ainda há muito a ser feito em relação às políticas públicas de valorização da cultura e do trabalho dos negros brasileiros. Porém, quero trazer aqui as ações concretas que podemos fazer especificamente no movimento sindical.
A CUT aprovou em 2008 a criação da Secretaria Nacional de Combate ao Racismo para contribuir na elaboração de políticas que possam eliminar o preconceito, a desigualdade e o racismo do Brasil. E foram promovidas, desde então, ações importantes para atingir esse objetivo.
Mas precisamos ir além. Por que assim como se fez com a questão de gênero, não criamos cotas raciais para nossas direções? E mais que isso, precisamos estatutariamente garantir o empoderamento das trabalhadoras e dos trabalhadores negros para que galguem cargos importantes nessas direções.
Esta é uma das reflexões importantes para a organização sindical CUTista fazer a partir de 20 de novembro de 2013, assumindo os desafios que nos apresentam a construção de uma sociedade multirracial, efetivamente justa e igualitária para todas e todos, com oportunidades iguais para negros, mulatos, cafusos, quilombolas, indígenas e demais parcelas da população excluídas, apartadas, espoliadas.
Que a luta de Zumbi, um líder negro em nossa história, resgate nossa origem africana, valorize a cultura e o trabalho desses povos construtores de nossa pátria. Que arranque de nossos corações, mentes e peles a discriminação e nos traga o sentimento da verdadeira igualdade.
Porque afinal, como diz Zeca Baleiro “Alma não tem cor. Porque eu sou branco? Alma não tem cor. Porque eu sou preto? Branquinho, neguinho, branco, negão".
* Jacy Afonso de Melo é bancário e Secretário de Organização da CUT
Foto: Márcio Lavor/CNQ-CUT