8 de março: por que mais luta e menos flores?
08 de Março de 2022
Mulheres
Lu Varjão | Vice-presidenta da IndustriALL Global Union na América Latina | Secretária de Relações Internacional e ex-presidenta da CNQ-CUT
Foto: Jornada Mercado
Mais um 8 de Março se passou, e as reflexões são inevitáveis após uma avalanche de manifestações nas redes sociais…
Não vêm da natureza os valores que algumas pessoas, na maioria das vezes bem intencionadas, destacam para nos “homenagear” no Dia Internacional da Mulher: doçura, delicadeza, devoção à família etc. São qualidades construídas culturalmente e enraizadas nas sociedades.
É claro que o afeto, a solidariedade, a leveza e a atenção ao próximo são virtudes importantes, não apenas para as mulheres, mas para todos os seres humanos empenhadas/os na construção de um mundo mais justo e fraterno. Só que, quando associadas diretamente à figura feminina, elas reforçam estereótipos que nos impuseram, por muito tempo, posições menos privilegiadas em relação aos homens.
É claro que a luta das feministas garantiu avanços, mas a dura realidade de uma grande parte das mulheres trabalhadoras brasileiras, inclusive comprovada por estatísticas, aponta que ainda não é o momento de festejarmos ou sermos parabenizadas a cada 8 de Março, por melhor que seja a intenção de quem nos cumprimenta.
Estudo divulgado hoje pelo DIEESE mostra que as antigas desigualdades de gênero persistem e, em alguns pontos, foram agravadas pelo processo de precarização das relações de trabalho.
Entre 2019 e 2021, a taxa de desocupação subiu, o que desencadeia muitos outros problemas com as mulheres na condição de vítima, como a maior dependência econômica de homens agressores - o que leva muitas de nós a permanecerem em situações de violência dentro dos próprios lares.
A realidade é ainda mais dura para as mulheres negras, em razão do racismo estrutural, que, combinado com o machismo, as coloca nas posições mais desfavoráveis em todas as estatísticas.
Não podemos também nos esquecer das violências às quais são submetidas as mulheres trans, extremamente marginalizadas e que em sua maioria sequer consegue acessar o mercado de trabalho.
A origem do 8 de Março e a dureza do dia a dia das mulheres brasileiras não nos dão alternativa: o dia é de luta, inclusive dentro do movimento sindical e no campo progressista dos espaços políticos, nos quais somos minoria, mesmo sendo a maior parte da população (52%).
Infelizmente, a conjuntura aponta que, após as eleições de 2022, 90 anos depois de termos conquistado o direito ao voto, não será alterada a configuração de uma maioria de homens brancos e supostamente heterossexuais na maior parte dos postos de poder decisivo da nossa frágil democracia, que cassou injusta e vergonhosamente a primeira e única mulher eleita para a Presidência da República.
Termino minhas reflexões, propondo a delicadeza da poesia para nos iluminar, a partir de versos escritos por Elisa Lucinda, mulher negra e extremamente talentosa, que sempre me comove e me fortalece.
AVISO DA LUA QUE MENSTURA
Elisa Lucinda
Moço, cuidado com ela!
Há que se ter cautela com esta gente que menstrua…
Imagine uma cachoeira às avessas:
cada ato que faz, o corpo confessa.
Cuidado, moço
às vezes parece erva, parece hera
cuidado com essa gente que gera
essa gente que se metamorfoseia
metade legível, metade sereia.
Barriga cresce, explode humanidades
e ainda volta pro lugar que é o mesmo lugar
mas é outro lugar, aí é que está:
cada palavra dita, antes de dizer, homem, reflita..
Sua boca maldita não sabe que cada palavra é ingrediente
que vai cair no mesmo planeta panela.
Cuidado com cada letra que manda pra ela!
Tá acostumada a viver por dentro,
transforma fato em elemento
a tudo refoga, ferve, frita
ainda sangra tudo no próximo mês.
Cuidado moço, quando cê pensa que escapou