A mina de ouro dos sindicatos
03 de Novembro de 2011
Geral
De olho nos R$2 bilhões por ano repassados pelo governo, número de entidades se multiplica Se o ritmo de arrecadação do imposto sindical...
De olho nos R$2 bilhões por ano repassados pelo governo, número de entidades se multiplica
Se o ritmo de arrecadação do imposto sindical registrado nos últimos anos for mantido, em 2012 os recursos recolhidos e repassados pelo governo federal para sustentar as entidades sindicais vão alcançar a marca de R$2 bilhões, consolidando o tributo como a mina de ouro do sindicalismo brasileiro. O volume é quase o dobro do que os sindicatos receberam há quatro anos. Somente entre janeiro e setembro deste ano, sindicatos, federações, confederações e centrais sindicais já receberam quase R$1,7 bilhão, dinheiro que não passa por qualquer fiscalização de órgãos governamentais.
Só o valor repassado às entidades nesses últimos nove meses é o equivalente a todo o dinheiro transferido pelo governo federal às prefeituras e ao governo do Amapá no mesmo período. É na carona dessa arrecadação bilionária que vem crescendo ano a ano o número de sindicatos no Brasil, contrariando uma tendência mundial de unificações e fusões de entidades. Para se ter uma ideia desse crescimento, de 2008 para cá 782 novos sindicatos entraram na lista da divisão do bolo do imposto sindical, uma média de uma entidade a cada dois dias. Eram 9.077 e hoje são 9.859.
A contribuição sindical é um imposto obrigatório cobrado de todos os trabalhadores com carteira assinada e do setor patronal. A cobrança ocorre uma vez por ano e, no caso dos trabalhadores, corresponde a um dia de salário, descontado diretamente em folha. No caso dos patrões, o valor é uma parcela do capital social da empresa.
Uso do dinheiro nunca é fiscalizado
Para ter direito a uma parte do imposto sindical, basta obter do Ministério do Trabalho o registro sindical e o valor repassado pelo governo leva em conta o tamanho da base de trabalhadores ou de empresas que a entidade representa e não seu número de filiados. De todo o dinheiro arrecadado, 60% fica com os sindicatos, 15% com as federações, 5% com as confederações, 10% com as centrais sindicais e 10% com o Ministério do Trabalho.
- Eu relaciono essa proliferação de sindicatos com o dinheiro da contribuição sindical, e não considero isso saudável porque se está criando uma pluralidade sindical que eu considero perversa - afirmou o professor de Direito do Trabalho da PUC-SP, Renato Rua de Almeida.
- Grande parte desses sindicatos que estão sendo criados não tem capacidade efetiva de representar aqueles que promete representar. Não é criando mais sindicatos que você fortalece o sindicalismo. Pelo contrário, enfraquece. Hoje há em países como a Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos um movimento contrário, de unificação de sindicatos para garantir que eles tenham força para defender quem eles representam - disse o diretor do Centro de Estudo Sindicais e Economia do Trabalho da Universidade de Campinas (Unicamp), José Dari Krein.
Basta uma verificação rápida no Diário Oficial da União para identificar o perfil dos sindicatos que estão obtendo registro da pasta do ministro Carlos Lupi. Chama a atenção o número de instituições de servidores públicos de cidades pequenas. Em 19 de maio, de nove registros sindicais concedidos pelo ministério, cinco foram para sindicatos ligados ao funcionalismo, como o Sindicato dos Servidores Públicos de Tanque D"Arca, no interior de Alagoas, ou de Santana do Paraíso, em Minas Gerais.
- Há um entendimento recente de que pode ser recolhido dos servidores públicos o imposto sindical. Eu atribuo a isso esse crescimento substancial de formalizações de sindicatos - disse Krein.
No caso do setor privado, em sua maioria, as novas entidades estão sendo criadas a partir de desmembramentos de sindicatos já existentes. O GLOBO tentou entrar em contato com algumas, mas a falta de informações de endereço e telefone tornam a tarefa quase impossível. Muitos são desconhecidos até mesmo dos trabalhadores da categoria. É o caso do Sindicato dos Arrumadores no Comércio de Trizidela do Vale, no Maranhão, que recebeu o registro sindical em março deste ano. Nem mesmo um sindicato da mesma categoria numa cidade vizinha afirmou ter conhecimento dos dirigentes e do seu funcionamento.
Outra discussão polêmica é a administração dos recursos da contribuição pelo setor sindical. A contabilidade dessas verbas é uma caixa-preta porque, desde a criação do imposto sindical, no anos 1940, o uso desse dinheiro não passa por nenhuma fiscalização de órgãos governamentais por serem os sindicatos instituições de direito privado. O único responsável por analisá-las legalmente é o conselho fiscal das próprias entidades.
Em agosto deste ano, o Tribunal de Contas da União (TCU) tomou uma decisão inédita ao determinar ao Ministério do Trabalho que exija do setor sindical transparência no gasto desse dinheiro e uma contabilidade segregada das demais receitas das entidades. A regra começa a valer em 2012. Embora elogiada, especialistas duvidam da eficácia da medida.
- Eu tenho dúvidas se essa fiscalização vai acontecer, porque o TCU não tem condições de avocar para si as prestações de contas de todos os sindicatos. Além disso, há muito corporativismo nesse setor, basta ver que o Lula, quando sancionou a lei que criou as centrais sindicais, vetou um artigo que previa a fiscalização das contas delas - comentou o consultor Fernando Alves de Oliveira, autor de dois livros sobre o sindicalismo brasileiro.
Desde terça-feira da semana passada, o GLOBO pediu ao Ministério do Trabalho uma entrevista sobre o assunto. Mas apenas uma nota técnica foi encaminhada à reportagem explicando a burocracia para a obtenção do registro sindical.
Lobby sindical impede fim do imposto
"A forma de moralizar seria o fim da obrigatoriedade da contribuição"
SÃO PAULO. Sem perspectivas de uma fiscalização rigorosa do uso pelos sindicatos dos recursos provenientes da contribuição sindical, especialistas defendem o fim da obrigatoriedade da cobrança do imposto. Mas admitem que a proposta é de difícil viabilização, porque o lobby dos sindicatos é forte.
- A forma imediata de moralização seria o fim da obrigatoriedade da contribuição sindical. Agora, para isso, você precisaria mudar a legislação e aí os interesses corporativistas tanto do lado patronal como dos trabalhadores é muito forte - disse o advogado Renato Rua de Almeida.
Para o consultor sindical Fernando Alves de Oliveira, a medida fortaleceria o setor.
- Se os sindicatos não recebessem obrigatoriamente a contribuição, teriam que melhorar sua atuação para fazer com que os filiados tivessem interesse em pagar. Se é obrigatório o recebimento, por que os sindicatos vão se esforçar? Tem muita gente boa no setor sindical, mas tem também muita gente que pensa assim. É por isso que acho que, se um dia houver a supressão da contribuição, 80% desses sindicatos passam a não mais existir - afirmou Oliveira.
Ele ressalta que a realidade econômica hoje é muito diferente daquela quando a legislação que rege os sindicatos foi criada. O consultor sindical ironiza a falta de iniciativa dos responsáveis por fazer um debate sobre o assunto.
- No Brasil, a questão sindical não é nem mais de uma republiqueta. Não se pode imaginar que, com a grandeza desse país, nos dias atuais se tenha uma legislação sindical de 1940. O que faz o governante? Pergunta para a presidente Dilma ou para os presidentes do Senado e da Câmara se eles pretendem mudar isso? - disse Oliveira, completando:
- Discutir a contribuição e uma reforma sindical não dá voto. Tira voto.
As duas maiores centrais sindicais do país, a CUT e a Força Sindical, têm posições diferentes sobre o tema. A primeira defende a substituição da contribuição sindical por uma contribuição negocial, ou seja, um percentual dos ganhos obtidos nas renegociações salariais. Já a Força é contra o fim do imposto sindical. O professor da Universidade de Campinas (Unicamp) José Dari Krein critica a falta de pesquisas para atualização do cenário sindical:
- Eu quero perguntar ao Ministério do Trabalho por que está demorando tanto para se fazer uma nova pesquisa sindical? A última foi em 2001. No final dos anos 1980, fazia-se pesquisas quase anualmente. O Brasil não tem hoje conhecimento sobre a situação sindical.
Krein diz que as suspeitas de todos aqueles que estudam o sindicalismo brasileiro é a de que o número de entidades sindicais tenha crescido muito nos últimos anos, mas ninguém tem a dimensão concreta desse fenômeno porque não há pesquisa atualizada. A estimativa é de que hoje existam cerca de 20 mil sindicatos no Brasil. (Silvia Amorim)
Se o ritmo de arrecadação do imposto sindical registrado nos últimos anos for mantido, em 2012 os recursos recolhidos e repassados pelo governo federal para sustentar as entidades sindicais vão alcançar a marca de R$2 bilhões, consolidando o tributo como a mina de ouro do sindicalismo brasileiro. O volume é quase o dobro do que os sindicatos receberam há quatro anos. Somente entre janeiro e setembro deste ano, sindicatos, federações, confederações e centrais sindicais já receberam quase R$1,7 bilhão, dinheiro que não passa por qualquer fiscalização de órgãos governamentais.
Só o valor repassado às entidades nesses últimos nove meses é o equivalente a todo o dinheiro transferido pelo governo federal às prefeituras e ao governo do Amapá no mesmo período. É na carona dessa arrecadação bilionária que vem crescendo ano a ano o número de sindicatos no Brasil, contrariando uma tendência mundial de unificações e fusões de entidades. Para se ter uma ideia desse crescimento, de 2008 para cá 782 novos sindicatos entraram na lista da divisão do bolo do imposto sindical, uma média de uma entidade a cada dois dias. Eram 9.077 e hoje são 9.859.
A contribuição sindical é um imposto obrigatório cobrado de todos os trabalhadores com carteira assinada e do setor patronal. A cobrança ocorre uma vez por ano e, no caso dos trabalhadores, corresponde a um dia de salário, descontado diretamente em folha. No caso dos patrões, o valor é uma parcela do capital social da empresa.
Uso do dinheiro nunca é fiscalizado
Para ter direito a uma parte do imposto sindical, basta obter do Ministério do Trabalho o registro sindical e o valor repassado pelo governo leva em conta o tamanho da base de trabalhadores ou de empresas que a entidade representa e não seu número de filiados. De todo o dinheiro arrecadado, 60% fica com os sindicatos, 15% com as federações, 5% com as confederações, 10% com as centrais sindicais e 10% com o Ministério do Trabalho.
- Eu relaciono essa proliferação de sindicatos com o dinheiro da contribuição sindical, e não considero isso saudável porque se está criando uma pluralidade sindical que eu considero perversa - afirmou o professor de Direito do Trabalho da PUC-SP, Renato Rua de Almeida.
- Grande parte desses sindicatos que estão sendo criados não tem capacidade efetiva de representar aqueles que promete representar. Não é criando mais sindicatos que você fortalece o sindicalismo. Pelo contrário, enfraquece. Hoje há em países como a Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos um movimento contrário, de unificação de sindicatos para garantir que eles tenham força para defender quem eles representam - disse o diretor do Centro de Estudo Sindicais e Economia do Trabalho da Universidade de Campinas (Unicamp), José Dari Krein.
Basta uma verificação rápida no Diário Oficial da União para identificar o perfil dos sindicatos que estão obtendo registro da pasta do ministro Carlos Lupi. Chama a atenção o número de instituições de servidores públicos de cidades pequenas. Em 19 de maio, de nove registros sindicais concedidos pelo ministério, cinco foram para sindicatos ligados ao funcionalismo, como o Sindicato dos Servidores Públicos de Tanque D"Arca, no interior de Alagoas, ou de Santana do Paraíso, em Minas Gerais.
- Há um entendimento recente de que pode ser recolhido dos servidores públicos o imposto sindical. Eu atribuo a isso esse crescimento substancial de formalizações de sindicatos - disse Krein.
No caso do setor privado, em sua maioria, as novas entidades estão sendo criadas a partir de desmembramentos de sindicatos já existentes. O GLOBO tentou entrar em contato com algumas, mas a falta de informações de endereço e telefone tornam a tarefa quase impossível. Muitos são desconhecidos até mesmo dos trabalhadores da categoria. É o caso do Sindicato dos Arrumadores no Comércio de Trizidela do Vale, no Maranhão, que recebeu o registro sindical em março deste ano. Nem mesmo um sindicato da mesma categoria numa cidade vizinha afirmou ter conhecimento dos dirigentes e do seu funcionamento.
Outra discussão polêmica é a administração dos recursos da contribuição pelo setor sindical. A contabilidade dessas verbas é uma caixa-preta porque, desde a criação do imposto sindical, no anos 1940, o uso desse dinheiro não passa por nenhuma fiscalização de órgãos governamentais por serem os sindicatos instituições de direito privado. O único responsável por analisá-las legalmente é o conselho fiscal das próprias entidades.
Em agosto deste ano, o Tribunal de Contas da União (TCU) tomou uma decisão inédita ao determinar ao Ministério do Trabalho que exija do setor sindical transparência no gasto desse dinheiro e uma contabilidade segregada das demais receitas das entidades. A regra começa a valer em 2012. Embora elogiada, especialistas duvidam da eficácia da medida.
- Eu tenho dúvidas se essa fiscalização vai acontecer, porque o TCU não tem condições de avocar para si as prestações de contas de todos os sindicatos. Além disso, há muito corporativismo nesse setor, basta ver que o Lula, quando sancionou a lei que criou as centrais sindicais, vetou um artigo que previa a fiscalização das contas delas - comentou o consultor Fernando Alves de Oliveira, autor de dois livros sobre o sindicalismo brasileiro.
Desde terça-feira da semana passada, o GLOBO pediu ao Ministério do Trabalho uma entrevista sobre o assunto. Mas apenas uma nota técnica foi encaminhada à reportagem explicando a burocracia para a obtenção do registro sindical.
Lobby sindical impede fim do imposto
"A forma de moralizar seria o fim da obrigatoriedade da contribuição"
SÃO PAULO. Sem perspectivas de uma fiscalização rigorosa do uso pelos sindicatos dos recursos provenientes da contribuição sindical, especialistas defendem o fim da obrigatoriedade da cobrança do imposto. Mas admitem que a proposta é de difícil viabilização, porque o lobby dos sindicatos é forte.
- A forma imediata de moralização seria o fim da obrigatoriedade da contribuição sindical. Agora, para isso, você precisaria mudar a legislação e aí os interesses corporativistas tanto do lado patronal como dos trabalhadores é muito forte - disse o advogado Renato Rua de Almeida.
Para o consultor sindical Fernando Alves de Oliveira, a medida fortaleceria o setor.
- Se os sindicatos não recebessem obrigatoriamente a contribuição, teriam que melhorar sua atuação para fazer com que os filiados tivessem interesse em pagar. Se é obrigatório o recebimento, por que os sindicatos vão se esforçar? Tem muita gente boa no setor sindical, mas tem também muita gente que pensa assim. É por isso que acho que, se um dia houver a supressão da contribuição, 80% desses sindicatos passam a não mais existir - afirmou Oliveira.
Ele ressalta que a realidade econômica hoje é muito diferente daquela quando a legislação que rege os sindicatos foi criada. O consultor sindical ironiza a falta de iniciativa dos responsáveis por fazer um debate sobre o assunto.
- No Brasil, a questão sindical não é nem mais de uma republiqueta. Não se pode imaginar que, com a grandeza desse país, nos dias atuais se tenha uma legislação sindical de 1940. O que faz o governante? Pergunta para a presidente Dilma ou para os presidentes do Senado e da Câmara se eles pretendem mudar isso? - disse Oliveira, completando:
- Discutir a contribuição e uma reforma sindical não dá voto. Tira voto.
As duas maiores centrais sindicais do país, a CUT e a Força Sindical, têm posições diferentes sobre o tema. A primeira defende a substituição da contribuição sindical por uma contribuição negocial, ou seja, um percentual dos ganhos obtidos nas renegociações salariais. Já a Força é contra o fim do imposto sindical. O professor da Universidade de Campinas (Unicamp) José Dari Krein critica a falta de pesquisas para atualização do cenário sindical:
- Eu quero perguntar ao Ministério do Trabalho por que está demorando tanto para se fazer uma nova pesquisa sindical? A última foi em 2001. No final dos anos 1980, fazia-se pesquisas quase anualmente. O Brasil não tem hoje conhecimento sobre a situação sindical.
Krein diz que as suspeitas de todos aqueles que estudam o sindicalismo brasileiro é a de que o número de entidades sindicais tenha crescido muito nos últimos anos, mas ninguém tem a dimensão concreta desse fenômeno porque não há pesquisa atualizada. A estimativa é de que hoje existam cerca de 20 mil sindicatos no Brasil. (Silvia Amorim)