Após audiência, CUT aponta otimismo para banimento do amianto no país
14 de Setembro de 2012
Ramo Químico
José Roncandin e Aldo Vicentin foram funcionários da Eternit em Osasco e morreram por conta do mesotelioma. Ruth Nascimento, trabalhadora da Teadit...
José Roncandin e Aldo Vicentin foram funcionários da Eternit em Osasco e morreram por conta do mesotelioma. Ruth Nascimento, trabalhadora da Teadit, teve o mesmo destino. “Chorão”, funcionário da Brasilit, de São Caetano do Sul, disse que devia tudo que tinha à empresa, inclusive o câncer no pulmão.
Em comum, todas as doenças foram provocadas pelo amianto, fibra mineral utilizada especialmente em telhas e caixas d´água e reconhecidamente responsável por causar doenças como câncer de laringe, pulmão e a pior delas, a mesotelioma. Mais de 60 países já aboliram o uso dessa substância, entre eles, Argentina, Chile e Uruguai.
Ao lembrar os trabalhadores que faleceram exercendo suas atividades profissionais, o também ex-empregado da Eternit em Osasco, Doracy Maggion, representante da Associação Brasileira de Expostos ao Amianto (ABREA), deu nome às estatísticas durante a segunda audiência pública convocada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Em discussão, a inconstitucionalidade da lei paulista 12.684/2007, que proíbe o uso de produtos que contenham a fibra mineral na sua composição.
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), 107 mil trabalhadores morrem a cada ano no mundo por doenças provocadas pelo amianto. No Brasil, o médico Hermano de Castro realizou um levantamento que aponta a morte de 2.400 pessoas por mesotelioma. E por esse estudo foi interpelado judicialmente pelo Instituto Brasileiro de Crisotila (IBC), que representa a indústria e entidades defensoras do produto no Brasil.
Um drama com final feliz
Antes do início da audiência, a secretária de Saúde do Trabalhador da CUT, Junéia Batista, entregou ao presidente da sessão, ministro Marco Aurélio Mello, um exemplar da obra “Eternit e o Grande Julgamento do Amianto”.
A obra editada por David Allen e Laurie Kazan-Allen trata de um movimento de famílias e vítimas do amianto na cidade italiana de Casale Monferrato, onde funcionou uma unidade da empresa. Por iniciativa da CUT, cinco mil exemplares foram traduzidos para o português.
A união dessas pessoas resultou em um processo que teve início em 2009 e terminou em 2012, com a sentença de 16 anos de prisão para o ex-proprietário da Eternit, Stephan Schmidheiny, e para um administrador da filial italiana, Jean-Louis de Marchienne, além do pagamento de 95 milhões de Euros, aplicada pelo Tribunal de Turim.
“Se o bom senso for maior que o poder econômico, certamente será banido”, voltou a citar a dirigente.
Caso a lei de iniciativa do deputado Marcos Martins (PT) seja considerada constitucional pelo STF, o tribunal deve julgar a seguir ação direta de inconstitucionalidade contra a Lei 9.055, que permite o uso controlado da fibra no país. E, se for considera inconstitucional, o amianto passa a ser banido do país.
A questão social
“Se o amianto não faz mal, por que tenho asbestose? E, respondendo a pergunta que nos fazem, onde estão as vítimas do amianto, respondo: em vários cemitérios”, questionou Maggion, logo após lembrar o legado de seus companheiros.
Médico epidemiologista da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, Jeferson Freitas, destacou que 80% dos casos de mesotelioma estão relacionados à ocupação e que entre 1996 e 2010 foram registradas 927 mortes no Estado devido à exposição à fibra.
Já o representante da Organização Internacional do Trabalho (OIT), também médico Zuher Handar lembrou que o Brasil ratificou as convenções 184 e 162, sobre a proteção à saúde do trabalhador, e defendeu a substituição do material por outras tecnologias.
A questão econômica
Enquanto especialistas independentes defenderam o banimento, pesquisadores contratados pela indústria alegaram a ausência de dados consistentes para referendar o fim da utilização e comercialização do material no país.
“É vontade do povo, não em geral, mas das minas, das fábricas. Não estamos dizendo que não há doentes. O que não concordamos é eliminar a atividade. É cancerígeno? É, mas tem mais de 100 outros produtos que são e dá para trabalhar”, ressaltou o presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Extração de Minerais não Metálicos de Minaçu (GO).
Handar, porém, não endossou o uso controlado. “Embora a exposição técnica dos higienistas aponte o uso controlado, a prática mostra que isso não é possível. Todos sabem que pode ser substituído por outros materiais de menor risco. Não há como garantir a saúde tanto dos expostos quanto das famílias próximas.”
Questão de monopólio
Professora do Instituto de Economia da UNICAMP, Ana Lúcia da Silva, ponderou o que pode levar a Eternit a defender com tanta “fibra” o uso do amianto.
“Um relatório do grupo, de 2004, já apontava que era possível produzir sem amianto. A opção por promover o máximo possível o uso justifica-se porque a Eternit é dona da mina”, explica.
Professor de economia da UNICAMP, Luiz Gonzaga Belluzo, reforçou a ideia de que o valor está diretamente ligado ao monopólio da empresa e questionou a relação entre o preço e a preservação da vida.
“Na composição de um telhado de 41,40 m² , a diferença de preço entre fios sintéticos e o amianto é de 3,5%. Então, pergunto, os riscos implícitos ao uso do amianto justificam considerar esse aumento? Temos que acabar com essa relação em que os trabalhadores são meros instrumentos de produção”, disse.
Mostrando-se também espantado com o discurso do dirigente sindical de haver outros produtos mais cancerígenos que o amianto, ele usou como referência um artigo da Folha de São Paulo que comparava a ditadura brasileira com a chilena.
Substituição
Mestre e doutor em engenharia civil e representante do Instituto Brasileiro de Crisotila, Vanderley John, tratou de implicações técnicas para substituição da fibra. Segundo ele, o grande problema seria a falta de oferta de outra matéria-prima.
“Dá pra substituir, é confiável e o material está sendo produzido no Brasil. Porém, não é factível banir o amianto amanhã porque devemos ter um aumento do preço abruptamente. Para diminuir esse impacto, precisaríamos de programas de incentivos fiscais e de capacitação do trabalhador para que atuasse em outra área”, disse.
Lobby forte – Auditora fiscal do trabalho e pesquisadora do tema há cerca de 30 anos, Fernanda Giannasi, iniciou sua intervenção apontando o lobby da indústria, a começar pelo repasse da IBC para entidades dos trabalhadores que defendem o uso controlado no país. Medida, inclusive, que fere a Convenção 98 da OIT por impedir às organizações de empresas destinar recursos a organizações de trabalhadores como forma de impedir o controle das primeiras sobre as segundas.
Ainda como forma de demonstrar como agem os empresários do setor, ela citou os acordos extrajudiciais que preveem o fim do fornecimento de assistência médica para mais de 4.500 vítimas, caso o amianto seja proibido no Brasil.
A falta de fiscais para acompanhar a atuação das empresas, a alta rotatividade no segmento – em algumas empresas, segunda ela, chegava a 90% no ano para evitar o tempo de exposição e fazer com que o trabalhador esteja longe quando apresentar os sintomas – e a falta de transparência também foram tema da apresentação.
“O STJ concedeu liminar a 17 empresas para que estejam protegidas de informarem quais são seus empregados e quais estariam doentes.”
Amianto a favor do desemprego – Por fim, Fernanda desmentiu o argumento de que o banimento resultaria em desemprego.
“Temos cinco mil empregos formais gerados pela indústria do amianto. No estado de São Paulo temos 170 empresas que se adequaram e substituíram o produto e duas que não. Para garantir os 500 empregos dessas duas estamos ameaçando 17 mil empregos, caso a lei do Estado não seja confirmada e volte ao estágio do uso controlado, como querem, com a invasão de produtos da China com amianto. O uso controlado, portanto, gera mais desemprego do que a lei do banimento”, defende.