Brasil já permite o uso de 30% dos 504 agrotóxicos proibidos na União Europeia
28 de Junho de 2018
Brasil
Mortes e envenenamento de trabalhadores e crianças podem aumentar se PL do Veneno for aprovado no plenário da Câmara
O uso indiscriminado de agrotóxicos no Brasil mata uma pessoa a cada três dias e, diariamente, contamina outras oito. Trabalhadores e trabalhadoras podem ser contaminados desde o processo de fabricação, transporte, aplicação e até o descarte da embalagem vazia.
Indiferente às estatísticas, o Congresso Nacional pode aprovar o Projeto de Lei nº 6299 de 2012, conhecido como PL do Veneno – que aumenta o uso de agrotóxico na agricultura e reduz a fiscalização. O PL já foi aprovado na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, mas precisa ser aprovado também pelos plenários tanto da Câmara quanto do Senado.
Para o Subprocurador-Geral do Trabalho, em exercício, do Ministério Público do Trabalho (MPT), Pedro Serafim, que também é o coordenador do Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos, “o setor produtivo é o responsável pelo aumento de doenças”, ainda assim, quer isenções fiscais para produzir agrotóxicos com menos fiscalização e controle do estado, sem garantir “condições financeiras para tratar a doença que causou”.
“Trabalhadores estão adoecendo, e isso repercute na sociedade em geral, que paga o preço dessas violações, por meio da rede pública de saúde e da Previdência Social. Tudo por conta de um veneno, que também está presente na sua própria mesa”, diz Pedro Serafim.
Brasil é o campeão no uso de veneno na agricultura
O Brasil é o líder no ranking de países que mais consomem agrotóxicos, segundo a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). E as leis brasileiras contribuem para essa liderança ao permitir um limite ‘aceitável’ de agrotóxicos na água potável cinco mil vezes superior ao limite estabelecido na Europa.
No total, 30% dos 504 agrotóxicos de uso permitido Brasil são proibidos na União Europeia.
O resultado é o aumento de pessoas contaminadas no país. Em sete anos, de 2007 a 2014, 25 mil pessoas foram contaminadas por agrotóxico, uma média de 3.125 por ano. As crianças são as maiores vítimas: 2.181 foram contaminadas no mesmo período, segundo dados do Ministério da Saúde.
E esses números podem aumentar se o PL do Veneno, que mudou as regras de uso dos agrotóxicos sem levar em conta a Constituição brasileira, for aprovado no parlamento.
Para o Ministério Público do Trabalho, além de tudo, as mudanças aprovadas pela Comissão da Câmara, presidida pela deputada ruralista Tereza Cristina (DEM-MS). Se o projeto for aprovado pelo Congresso, o órgão entrará com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), diz o subprocurador geral, Pedro Serafim.
O PL do Veneno viola os termos do artigo 7º, inciso XXII, da Constituição, que determina a necessidade de redução dos riscos inerentes à saúde e segurança dos trabalhadores e do § 4º do artigo 220, que impõem restrição legal para a propaganda de produtos como os agrotóxicos e outros produtos, cujo uso prejudica a saúde.
“O projeto é inconstitucional também porque exclui dois ministérios importantes do processo: o da Saúde e do Meio Ambiente” [que tem órgãos, como a Anvisa, Fiocruz e Ibama, responsáveis pela análise dos pedidos de liberação de agrotóxicos]”, diz o Subprocurador-Geral do Trabalho, em exercício, alertando para o fato de que se o PL for aprovado, todo o processo ficará nas mãos do Ministério da Agricultura, dominado pela bancada ruralista.
“A Constituição obriga esses ministérios a participar da discussão porque envolvem exatamente as áreas mais afetadas pelo uso de agrotóxicos, a saúde do trabalhador e o meio”.
Assim como outras instituições de proteção à saúde de trabalhadores e consumidores, o MPT não foi ouvido na Comissão da Câmara, que conta com maioria da bancada ruralista.
Para o secretário de Meio Ambiente da CUT, Daniel Gaio, o fato da Comissão não ouvir opositores ao projeto e ter impedido que representantes de entidades civis contrárias ao PL entrassem na Câmara no dia da votação, provam que o golpe de 2016 continua.
“A chamada ‘Casa do Povo’ impede a participação popular quando vai votar projetos como esse, que prejudicam os brasileiros, mas os lobistas da bancada ruralista e da indústria química tiveram acesso irrestrito a várias dependências da Câmara durante a aprovação do PL do Veneno. É mais um golpe contra a democracia”, denuncia.
Pedro Serafim critica ainda a falta de bom senso dos apoiadores do projeto. “Enquanto outros países do mundo reduzem drasticamente o uso dos agrotóxicos, o Brasil quer aumentar”.
De acordo com o Subprocurador-Geral, em exercício, as grandes multinacionais produtoras de agrotóxicos estão perdendo espaço nos países desenvolvidos, aplicando leis mais rígidas no uso de veneno na agricultura e buscando em países como o Brasil uma maior ‘liberdade’ de mercado.
“Se queremos salvar o Brasil do futuro não podemos pensar no imediatismo econômico, sem sustentabilidade. É um tiro no pé nos envenenar. A própria ONU já manifestou sua preocupação com essa questão”, diz o Subprocurador-Geral do MPT.
Campanha contra o uso indiscriminado dos agrotóxicos
O MPT vem defendendo a aprovação de outro projeto de lei. O PL 6670/2016 que institui a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PnARA) “ que é aquilo que os países que prezam pela vida e pelo meio ambiente estão fazendo”, diz Pedro Serafim.
Para isso, o órgão já realizou 25 fóruns estaduais em parceria com a Central Única dos Trabalhadores (CUT), Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública da União (DPU), Instituto Nacional do Câncer, Fiocruz e Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), entre outras entidades.
Para o secretário de meio ambiente da CUT, a sociedade civil deve dar as mãos ao MPT na luta contra a aprovação do PL do Veneno.
“A CUT continuará defendendo a agricultura familiar, a agroecologia, combatendo esse tipo de produção de alimentos que visa o lucro em detrimento da saúde da população brasileira”, diz Daniel Gaio.
O que querem os ruralistas
A proposta de Mauro Blaggi (PP-MT), atual ministro da agricultura do golpista e ilegítimo de Michel Temer (MDB-SP), visa ‘atualizar’ a lei dos agrotóxicos, de 1989.
Pelo PL, o termo ‘agrotóxico’ mudaria para ‘defensivo fitossanitário’, uma manobra para esconder a verdadeira finalidade do produto que é ‘veneno’. Também centralizaria o registro de novos agrotóxicos nas mãos do Ministério da Agricultura, mudando o atual modelo em que o registro é aprovado, ou não, pelo Ibama e a Anvisa.
Além disso, a lei proposta pretende definir como crime somente a produção, armazenamento, transporte e importação de produtos “não registrados ou autorizados”, deixando de fora questões como a quantidade, o local e o modo de aplicar o produto – e oferecendo permissão a produtos “registrados”.
Quem votou conta e a favor do PL do Veneno:
A favor do projeto: 18
Adilton Sachetti (PRB-MT)
Alceu Moreira (MDB-RS)
Carlos Gaguim (DEM-TO)
Celso Maldaner (MDB-SC)
César Halum (PRB-TO)
Covatti Filho (PP-RS)
Geraldo Rezende (PSDB-MS)
Junji Abe (MDB-SP)
Luís Carlos Heinze (PP-RS)
Luiz Nishimori (PR-PR)
Nilson Leitão (PSDB-MT)
Prof. Victorio Galli (PSL-MT)
Raquel Muniz (PSD-MG)
Rogério Peninha (MDB-SC)
Sérgio Souza (MDB-PR)
Tereza Cristina (DEM-MS)
Valdir Colatto (MDB-SC)
Zé Silva (SD-MG)
Votos contrários ao projeto: 9
Alessando Molon (PSB-RJ)
Bohn Gass (PT-RS)
Edmilson Rodrigues (Psol-PA)
Ivan Valente (Psol-SP)
Jandira Feghali (PCdoB-RJ)
Júlio Delgado (PSB-MG)
Nilto Tatto (PT-SP)
Padre João (PT-MG)
Subtenente Gonzaga (PDT-MG)
Fonte: Portal da CUT