Erros da Ford são alerta para o futuro da indústria brasileira
19 de Março de 2019
Macrossetor
Trabalhadores no ABC fazem nova assembleia nesta terça (19), quando se completa um mês do anúncio de fechamento da unidade de São Bernardo.
Os trabalhadores na Ford de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, fazem na manhã desta terça-feira (19/03) mais uma assembleia para discutir os próximos passos da mobilização. Hoje se completa um mês desde que a montadora anunciou o fechamento da fábrica. Desde então, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC vem buscando alternativas para manter a unidade em funcionamento e preservar os mais de 4 mil postos de trabalho. A expectativa agora é de iniciar conversas com a empresa sobre possíveis interessados na compra da fábrica, depois que a direção mundial da Ford confirmou a intenção de desativar a unidade, durante reunião no último dia 7, nos Estados Unidos.
A reunião foi frustrante para os trabalhadores. O ex-presidente do sindicato Rafael Marques conta que um dos verbos mais falados pelos executivos foi appreciate, para demonstrar que todos "apreciavam" os esforços e o profissionalismo dos metalúrgicos para manter a fábrica. Mas, no geral, as conversas tiveram tom frio. "Não chegamos a encontrar um ambiente de negociação", relata Rafael, que hoje preside o Instituto Trabalho, Indústria e Desenvolvimento (TID), instalado ao lado da antiga fábrica da Rolls-Royce, também na região do ABC, a menos de 10 quilômetros da própria Ford.
Para o metalúrgico, funcionário justamente da Ford de São Bernardo, o caso da montadora escancara uma sucessão de erros estratégicos cometidos pela empresa, muitos dos quais apontados há tempos pelo sindicato, que colaborou ativamente para acordos de reestruturação em outras ocasiões. Rafael acredita que a unidade do ABC poderia se tornar uma espécie de "fábrica modelo" para toda a região, com desenvolvimento de tecnologia.
Há anos os trabalhadores cobram a Ford sobre o desenvolvimento de novos produtos no ABC, que no caso de automóveis tem apenas um modelo do Fiesta. A expectativa era de que a produção de caminhões, que costuma ser lucrativa, desse fôlego para que essa situação se definisse antes do vencimento de acordo firmado em 2017, no próximo mês de novembro. Mas a empresa decidiu fechar tudo, inclusive a área de caminhões. "Não digerimos, os trabalhadores não digeriram, mesmo no setor administrativo. Foi um baque", diz Rafael, para quem a situação vivida em São Bernardo serve de alerta para todo o país, que precisa discutir medidas efetivas de política industrial, se não quiser o problema se repetindo com outras empresas de grande porte.
O desafio agora é manter a região do ABC "forte industrialmente", garantindo que a área de 1 milhão de metros quadrados onde se localiza a Ford continue destinada a atividades industriais. Para isso, é preciso envolver as autoridades, o poder público, sem esconder as dificuldades, "para encarar algum desfecho que queremos que seja o melhor possível para os trabalhadores", mas também sem perder a esperança.
Na entrevista a seguir, Rafael fala sobre as estratégias ruins da Ford, as iniciativas dos sindicalistas, a reunião nos Estados Unidos e a necessidade de implementar uma política industrial no país e se preparar para o futuro, em um momento de transição de modelos produtivos.