Fique atento à nanotecnologia: entrevista 3
17 de Março de 2014
Ramo Químico
Publicamos a terceira entrevista da série sobre a utilização da nanotecnologia nos processos produtivos. Nela, o doutor e mestre em Direito da...
Publicamos a terceira entrevista da série sobre a utilização da nanotecnologia nos processos produtivos. Nela, o doutor e mestre em Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Prof. Wilson Engelmann, que coordena uma pesquisa sobre direitos humanos e nanotecnologias, aborda, entre outras coisas, a urgência nas discussões sobre um marco regulatório das nanotecnologias. Confira abaixo!
Wilson Engelmann: Nenhum avanço científico, tecnológico e de inovação se justifica se não forem respeitados o ser humano e o meio ambiente
O que significa a palavra “nanotecnologia” e quais os setores onde elas já podem ser encontradas?
Wilson Engelmann: “Nano” significa uma medida e equivale à bilionésima parte do metro. Quer dizer: se fizermos um traço que tenha exatamente um metro e dividirmos este metro em um bilhão de vezes, a bilionésima parte é o nanômetro. Por isso, é uma medida. Ela sempre existiu na natureza, como exemplo, as cinzas de um vulcão, a poluição do ar, as gotículas de água, o sal marinho, entre outros. No entanto, apenas há mais ou menos 30 anos o ser humano começou a poder visualizar esta medida tão pequena, quando foram desenvolvidos os microscópios apropriados, ou seja, os nanoscópios.
As nanotecnologias: a palavra é utilizada no plural, pois existem variados setores e tecnologias diferentes já estão em condições de produzir objetos a partir da manipulação do nanômetro. Estão entre eles: protetores solares, calçados esportivos, telefones celulares, tecidos, cosméticos, automóveis, medicamentos, agroquímicos, material bélico; ainda diversos setores, como: energia, agropecuária, tratamento e remediação de água, cerâmica e revestimentos, materiais compostos, plásticos e polímeros, cosméticos, aeroespacial, naval e automotivo, siderurgia, odontológico, têxtil, cimento e concreto, microeletrônica, diagnóstico e prevenção de doenças e sistemas para direcionamento de medicamentos.
O que tem de novidade na escala nanométrica?
Ao se ingressar na escala nanométrica as características físico-químicas dos materiais se modificam e podem se tornar tóxicos ao interagirem com o meio ambiente e o ser humano. Como exemplo pode-se citar: o ouro na escala macro é inerte, já na escala nano ele pode ter características prejudiciais à saúde; a prata na escala maior é antibacteriana, já na escala nano poderá causar inflamação e outros problemas à saúde do ser humano. Por isso, será preciso ter muita cautela na fabricação de produtos a partir da escala nanométrica; o consumidor precisa estar atento aos produtos que se utilizem desta medida. Vale dizer: todos deverão ser informados sobre os eventuais riscos que os novos produtos poderão trazer. É um direito fundamental e constitucional o chamado “direito à informação” e o produtor tem o “dever de informação”, pois ele deverá saber quais são os riscos e deverá informá-los à sociedade, que, assim, poderá decidir se compra e usa o produto ou não.
Qual a importância da participação do Direito nesta revolução nanotecnológica?
Será preciso estabelecer uma relação entre as nanotecnologias, o Direito e a caracterização da inovação. Pode-se dizer que as nanotecnologias representam um exemplo de inovação, pois viabilizam a construção de objetos com características totalmente novas das coisas similares construídas em outra escala de tamanho. Esse tema já foi objeto de um livro anterior: ENGELMANN, Wilson; FLORES, André Stringhi e WEYERMÜLLER, André Rafael. Nanotecnologias, marcos regulatórios e direito ambiental (Curitiba: Honoris Causa, 2010), eu e meus colegas co-autores estamos preparando a segunda edição deste livro, o qual deverá ser lançado ainda este ano. Este livro é a primeira publicação do gênero no Brasil. Eu tenho um outro livro publicado, agora escrito em inglês, que é um aprofundamento e revisão de algumas ideias já publicadas, seja no mencionado primeiro livro ou em diversos artigos em revistas científicas. Este livro tem como título: “Nanotechnology, Law and Innovation”, e pode ser comprado pela página da Amazon. O desenvolvimento das bases para a inovação deverá ser absorvido pelo Direito, incorporando-as no modo de fazer o Direito. A preparação de marcos regulatórios para as nanotecnologias passará necessariamente pelo diálogo transdisciplinar com outras áreas do conhecimento. A construção dos elos entre os três temas do livro é mediada pela Filosofia no Direito, a partir das lições que são construídas no Programa de Pós-Graduação em Direito – mestrado e doutorado – da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, sediada em São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, onde sou professor e pesquisador.
Como se relacionam nanotecnologia, lei e inovação?
As nanotecnologias são o melhor exemplo atual de inovação, especialmente a inovação construída a partir da “Hélice Tríplice”, desenvolvida por Henry Etzkowitz, que é o meu referencial teórico inicial para estudar e escrever sobre ela. O Direito, que é uma expressão mais adequada do que a lei, pois ela é apenas uma parte daquele, será responsável pelo delineamento de marcos regulatórios que possam fomentar a inovação, sem criar obstáculos ou limitações que venham a impedi-la. Essa é hoje uma discussão mundial, pois não há marcos regulatórios definidos nos diversos países. O que se têm são propostas regulatórias, ainda em construção e muita discussão. Por isso, a entrada no Direito nesse cenário é muito importante, a fim de contribuir efetivamente e dentro de condições epistemológicas adequadas para o atual momento.
Quais os desafios para a área do Direito e da legislação em relação às transformações de inovação decorrentes da nanotecnologia?
No mercado já existem diversos produtos fabricados a partir das nanotecnologias. Esse cenário é o principal desafio para o Direito, pois os produtos estão chegando ao consumidor e o processo produtivo está em pleno desenvolvimento, caracterizando a inovação. No entanto, ainda não existem marcos regulatórios específicos, não há consenso entre os cientistas sobre a metodologia para a aferição dos efeitos toxicológicos e não há um controle sobre o efetivo número de nanopartículas que já existem. Esse é o cenário de preocupação (ou seja, de riscos), onde deverá ser incluído, com urgência, o Direito. No Brasil, esta questão da regulamentação foi objeto do Fórum de Competitividade em Nanotecnologia, organizado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, desde 2009. Eu participo deste Fórum, no Grupo de Trabalho – Marco Regulatório. Este Fórum parou de se reunir em meados de 2012. No ano passado, o Governo Federal lançou o Comitê Interministerial sobre as nanotecnologias, que agora está concentrando as discussões regulatórias. Além disso, estão em tramitação junto à Câmara dos Deputados dois projetos de lei, de autoria do Deputado Federal Sarney Filho, tentando regular um pouco algumas questões sobre as nanotecnologias. A sociedade deverá acompanhar as discussões destes projetos de lei e também os resultados das reuniões do Comitê Interministerial.
O que deve embasar a legislação na área das nanotecnologias?
O cuidado com o ser humano e o meio ambiente. Nenhum avanço científico, tecnológico e de inovação se justifica se estes dois pressupostos não forem respeitados. Além disso, a questão regulatória no Brasil não poderá deixar de analisar as discussões regulatórias que também estão em andamento em outros países como os Estados Unidos, países europeus e asiáticos. Não significa copiar ou simplesmente importar a regulação. Pelo contrário, o Brasil deve desenvolver sobre própria regulação das nanotecnologias, respeitando as nossas características e necessidades, mas alinhando as normas com o debate e as normas dos demais países, a fim de permitir o desenvolvimento integral destas tecnologias no país.
Por que é importante discutir e planejar marcos regulatórios sobre as nanotecnologias?
As nanotecnologias representam um tema fundamental no desenvolvimento científico e tecnológico, hoje, do país e do mundo. As nanotecnologias expressam um conjunto de diferentes tecnologias que trabalham com a escala que vai de 1 a 100 nanômetros. A possibilidade de trabalhar nesta escala é uma das descobertas mais geniais dos últimos tempos, pois permite manipular a matéria no nível atômico, proporcionando a montagem de coisas que seriam impossíveis em outra escala. Como se trata de algo realmente novo e revolucionário, pois não se pode enquadrar os resultados das nanotecnologias nos quadros e conceitos até o momento, não há marcos regulatórios. Assim, a discussão está aberta em escala mundial, mas cada país também faz a sua discussão interna. Nessa matéria, será muito importante cada país criar os seus próprios marcos regulatórios, a fim de respeitar características e problemas próprios. No entanto, e esse parece que é o maior desafio, as normas internas deverão conversar com os marcos regulatórios externos, pois as nanotecnologias estão espalhadas pelo globo e não respeitam as fronteiras territoriais dos Estados. Além disso, é importante regulamentar a matéria, pois ela tem implicações em diversas áreas jurídicas, como: direito civil, responsabilidade civil, direito do consumidor, direito do trabalho, direito penal e direito ambiental.
Que tipo de discussão ética as nanotecnologias provocam?
Uma ética de responsabilidade e de corresponsabilidade com todos os seres humanos, da atual e das futuras gerações. É preciso assumir conscientemente os riscos das decisões que serão tomadas neste momento. Muitas delas serão irreversíveis. Além dos benefícios, é preciso verificar quais serão os riscos da disponibilização dos produtos com nanopartículas na sociedade, ou seja, será necessário o desenvolvimento de pesquisas que possam avaliar os impactos humanos, sociais, ambientais, econômicos, entre outros das nanotecnologias no Brasil e no mundo.
Wilson Engelmann é Doutor e Mestre em Direito Público pelo Programa de Pós-Graduação em Direito (Mestrado e Doutorado) da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS/RS/Brasil; Professor deste mesmo Programa das atividades: “Transformações Jurídicas das Relações Privadas” (Mestrado) e “Os Desafios das Transformações Contemporâneas do Direito Privado” (Doutorado); Professor do Mestrado Profissional em Gestão e Negócios da UNISINOS; Professor de Metodologia da Pesquisa Jurídica em diversos Cursos de Especialização em Direito da UNISINOS; Professor de Teoria Geral do Direito e Introdução ao Estudo do Direito do Curso de Graduação em Direito da UNISINOS; Líder do Grupo de Pesquisa JUSNANO (CNPq); Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq; Coordenador Adjunto do Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado e Doutorado – da Unisinos; e-mail: [email protected]
Projetos de pesquisa onde está vinculado:
a) Os avanços nanotecnológicos e a (necessária) revisão da Teoria do Fato Jurídico de Pontes de Miranda: compatibilizando “riscos” com o “direito à informação” por meio do alargamento da noção de “suporte fático”: Bolsa de Produtividade em Pesquisa do CNPq;
b) Delineando os pressupostos para moldar a gestão do risco empresarial gerado a partir das nanotecnologias por meio dos compliance programs: a contribuição do “direito à informação” e do “dever de informação” alicerçados nos Direitos Humanos: Apoio a Projetos de Pesquisa /Chamada MCTI/CNPq /MEC/CAPES nº 18/2012 - Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas;
c) “Nanotoxicologia ocupacional e ambiental: subsídios científicos para estabelecer marcos regulatórios e avaliação de riscos”, aprovado na Chamada MCTI/CNPq N º 17/2011 - Apoio à criação de redes cooperativas de pesquisa e desenvolvimento em Nanotoxicologia e Nanoinstrumentação;
d) “As transformações jurídicas das relações privadas: a construção de marcos regulatórios e a revisão de categorias tradicionais do Direito como condição de possibilidade para atender aos desafios das mutações jurídicas contemporâneas geradas pelas novas tecnologias” (UNISINOS).