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Nanoformas, nanotoxilogia e os estudos de Limites de Exposição para nanoecologia e nanoepidemiologia

09 de Setembro de 2015

Nano

Confira a terceira entrevista deste ano e a oitava da série Nanotecnologia, elaborada pela Secretaira de Saúde do Trabalhador da CNQ

Dando continuidade à série sobre nanotecnologia, confira a terceira entrevista deste ano, agora com a Dra. Mey Rose de Mello Pereira Rink, Pesquisadora da FUNDACENTRO, que aborda a descoberta das nanoformas, seus potenciais de uso e de toxicidade

CNQ: Você poderia nos contar como foram descobertas as Nanoformas de Carbono?

Dra. Mey Rose: Na metade da década de 70, Harold Kroto, químico, pesquisador na Universidade de Sussex na Inglaterra se interessou pelo estudo mecânico-quântico de certas cadeias carbônicas moleculares, as Poliinas e para estudá-las, ele sintetizou Cianopoliinas e mediu suas frequências rotacionais por meio de espectroscopia na faixa de micro-ondas. Esses estudos coincidiram com avanços na detecção de moléculas no espaço por meio da radioastronomia, o que levou Kroto e colegas a detectar algumas moléculas contendo Carbono no espaço. Kroto, surpreso com os resultados, apontou as estrelas gigantes vermelhas frias como as prováveis fontes dessas moléculas e especulou que sua formação poderia ocorrer por meio de alguma simbiose entre a química de reações em cadeia e a de pós, talvez relacionada à da formação de fuligem. Kroto tentou reproduzir na Terra as condições estelares de síntese dessas moléculas e encontou diversas dificuldades. A realização desse sonho parecia distante até que seu amigo Robert Curl, soube que para tal poderia ser usado um aparelho desenvolvido por Richard Smalley, seu colega na Universidade Rice, uma técnica poderosa em que um laser vaporizava, a temperaturas superiores a dez mil graus Celsius, átomos de alguns materiais. Kroto chega então o laboratório de Smalley para iniciar com ele e Curl experimentos de vaporização de Carbono. Eles logo obtiveram as moléculas mais simples de Poliinas que Kroto já havia estudado e a seguir, com a continuação dos experimentos, Kroto percebeu que em quase todos eles aparecia uma molécula com 60 átomos de Carbono, sendo que inicialmente pensaram que sua forma mais provável seria a de planos de átomos de carbono dispostos em vértices de hexágonos, como é o caso da grafite, de cuja vaporização a molécula fora obtida. Kroto, no entanto teve outra ideia: grande admirador do arquiteto americano Richard Buckminster Fuller, idealizador dos famosos domos geodésicos obtidos a partir de faces hexagonais encurvadas graças à combinação com pentágonos, sugerindo aos colegas que a molécula poderia ter uma estrutura redonda como a dos domos. Já na véspera do retorno de Kroto para a Inglaterra, Smalley, usando papel, tesoura e fita adesiva, passou uma noite toda tentando definir a estrutura do C60; foi quando obteve um poliedro de 32 faces, 20 hexagonais e 12 pentagonais, com o formato de uma bola de futebol oca. Decidiram imediatamente batizar o C60 com o nome de buckminsterfulereno ou buckyball e, no dia 12 de setembro de 1985, enviaram um artigo relatando a descoberta à revista Nature. Visando um maior conhecimento do buckminsterfulereno, Curl, Kroto e Smalley continuaram a investigar o C60, usando a técnica de vaporização de Carbono com um laser num jato pulsado de hélio, sendo demonstrado que C60 era extremamente estável. Este experimento resultou no prêmio Nobel da química naquele ano. Achei muito interessante que em 2010, o telescópio Spitzer detectou pela primeira vez buckyballs no espaço.

Em meados de 1991, meses após a publicação do método de síntese de quantidades macroscópicas de fulerenos, cientistas em todo o mundo pesquisavam seus diferentes aspectos. No Laboratório de Pesquisas Básicas da NEC, em Tsukuba, no Japão, o cristalógrafo japonês Sumio Iijima, especialista em ciência do Carbono, se perguntava se outros tipos de moléculas de Carbono não seriam formados por esse método de síntese. Ao buscar respostas para sua indagação, Iijima fez uma pequena, mas crucial modificação no método de síntese; em vez de deixar que os eletrodos de grafite entrassem em contato, deixou-os separados enquanto descargas elétricas faiscavam entre eles. Como esperado, fuligem se formou sobre as paredes da câmara de síntese, mas também houve a formação de um depósito negro sobre o eletrodo negativo (catodo). A análise desse depósito negro ao microscópio eletrônico revelou a existência do que hoje se denomina nanotubos, tubos cilíndricos de diâmetros nanométricos, sendo que seu diâmetro externo varia de 8 nm a 15 nm e o seu comprimento de dezenas de nanometros até diversos micrometros. Os nanotubos são especiais por três razões básicas. Primeiro, por poderem ser preenchidos com diferentes materiais. Em segundo, por suas propriedades mecânicas especiais, são flexíveis e muito mais resistentes que fibras de carbono e finalmente, eles têm propriedades elétricas únicas. Alguns pesquisadores sonham em realizar reações químicas dentro de nanotubos, numa escala em que as propriedades dos materiais são ainda totalmente desconhecidas e imprevisíveis.

Vale ressaltar ainda que a produção e a aplicação das nanoformas de Carbono estão ainda em pleno desenvolvimento bem como o processo de obtenção, principalmente para produção em grande escala. Não se pode falar de nanoformas de Carbono sem deixar de mencionar o grafeno que são nanofolhas de Carbano, que podem substituir o Silício e permitir a segunda revolução tecnológica. Com uma grande capacidade de fornecimento do grafeno para as indústrias elas fabricarão nos próximos anos, novos componentes eletrônicos muito mais baratos e eficientes.

CNQ: Em que segmentos da indústria são utilizados estas nanoformas de Carbono?

Dra. Mey Rose: Em todos os setores que se possa imaginar, desde a indústria química e farmacêutica até a aeroespacial. Na área de materiais, o desenvolvimento de compósitos com nanotubos de Carbono, chama de "Bombril" da nanotecnologia, tem possibilitado a produção de materiais com maior resistência mecânica e com propriedades elétricas e magnéticas variadas. Híbridos de nanotubos com metais permitem a criação de substâncias com propriedades muito diferentes das que conhecemos em sua forma macroscópica.  Nanotubos de Carbono também apresentam extraordinárias propriedades mecânicas, pois são bastante resistentes à ruptura sob tração, sendo 100 vezes mais resistentes que o aço e possuindo apenas 1/6 de sua densidade. Por isso, eles também poderão ser usados na construção civil e até mesmo na construção da fuselagem de aviões, carros, foguetes e ônibus espaciais da NASA. Se forem adicionados a tecidos, os nanotubos poderiam torná-los indestrutíveis, sendo mais eficientes que o polímero Kevlar usado em coletes à prova de balas. Possuem extraordinária condução térmica, podendo ser usados em processos de conservação e transmissão de energia, como a energia solar, sendo muito mais eficientes que as células fotovoltaicas que são usadas hoje em dia. Os fulerenos possuem um enorme potencial de utilização da medicina. Por serem extremamente pequenos e leves, podem chegar ao interior de uma célula para serem utilizados como sensores para diagnósticos e tratamentos médicos. Estão sendo utilizados ainda para a fabricação de polímeros, células solares, filmes de Langmuir e muitas outras aplicações. Já se obteve dispositivos de grafeno que podem processar dados 10 vezes mais rápido, finos como um cabelo, flexíveis como o plástico e duros como o diamante. Uma simples placa ou tira de grafeno pode funcionar como relógio, despertador, calendário, central de sensores táteis (música, vídeo, TV, microfone, condicionador de ar, etc.), célula solar. Sua flexibilidade pode permitir usá-lo como pulseira ou como tela de computador. Essas são apenas algumas das infinitas aplicações que os nanoformas de Carbono podem ter, mas resta ainda esperar para ver o que nos mostrarão as pesquisas nestas áreas.

 CNQ: Como são aplicados em todo tipo de indústria existem estudos sobre sua toxicologia nos seres humanos e no meio ambiente?

Dra. Mey Rose: No caso da nanotecnologia ela é uma nova ciência chamada de NANOTOXICOLOGIA, pois o comportamento dos materiais que conhecemos em escala normal diferem totalmente dos encontrados em dimensões nanométricas e não existe como se fazer uma comparação dos limites de exposição MACRO e NANO, sendo que toxicidade desses materiais  e as vias de acesso ao organismo variam drasticamente. Os países de maneira geral deveriam investir em pesquisas para determinação de Limites de Exposição para nanoecologia e nanoepidemiologia, para o estabelecimento de doses de exposição para o trabalhador e o meio ambiente de trabalho; para o controle biológico dos trabalhadores expostos; prováveis efeitos sobre o organismo e a susceptibilidade individual. E o que recomendo como uma questão de ética profissional seria informar os riscos advindos da exposição aos trabalhadores envolvidos em processos de nanotecnologia, bem como aos consumidores em geral, quanto aos possíveis agravos à sua saúde e ao meio ambiente.

CNQ: Como você poderia prever a utilização em larga escala destes produtos sem os estudos em questão?

Dra. Mey Rose: É muito difícil de prever, existe uma equipe internacional de cientistas, matemáticos e filósofos que compõem o Instituto do Futuro da Humanidade vinculado à Universidade de Oxford que está investigando quais são os maiores perigos contra a humanidade. Eles argumentam em um texto acadêmico "Riscos Existenciais como Prioridade Global", que autores de políticas públicas devem atentar para os riscos que podem contribuir para o fim da espécie humana. Questionam se sobreviveremos a experimentos em áreas como biologia sintética, nanotecnologia, inteligência artificial, inteligência maquinal.    Prometem grandes benefícios médicos, mas se teme efeitos não previstos e não vivenciados anteriormente. Colocam ainda que existe um gargalo na história da humanidade, a condição humana irá mudar, pode ser que terminemos em uma catástrofe ou que sejamos transformados ao assumir mais controle sobre a nossa biologia. Não é ficção científica, doutrina religiosa ou conversa de bar.

Mey Rose de Mello Pereira Rink é Pesquisadora da FUNDACENTRO; Eng. Civil; Eng. De Segurança do Trabalho e Ergonomista