O tarifaço de Trump em 2025 e a aceleração da desindustrialização brasileira: uma análise crítica a partir da esquerda
23 de Outubro de 2025
Política Industrial
Por Thiago Rios*
O tarifaço imposto por Donald Trump ao Brasil em 2025, em sua nova gestão à frente da presidência dos Estados Unidos, representa mais do que uma medida protecionista isolada: é a expressão de uma política externa agressiva que visa restabelecer a hegemonia econômica norte-americana por meio da imposição unilateral de barreiras comerciais. A decisão de sobretaxar produtos-chave da pauta exportadora brasileira – especialmente aço, alumínio, celulose e produtos agrícolas processados – possui implicações profundas, e quando analisada sob uma ótica crítica da esquerda, evidencia os riscos estruturais de uma economia dependente e reprimarizada como a brasileira.
Desindustrialização e vulnerabilidade estrutural
O Brasil já vinha passando, desde a década de 2010, por um processo contínuo de desindustrialização. Essa tendência foi agravada por políticas neoliberais de austeridade, cortes em investimentos públicos e desmonte de cadeias produtivas estratégicas, como a indústria naval, a cadeia do petróleo e gás e o complexo da saúde. Com a retomada de Trump ao poder e a adoção de tarifas punitivas contra países considerados “ameaças comerciais”, o Brasil foi alvo direto de uma política que pretende reverter déficits comerciais dos EUA à custa de seus parceiros, sobretudo aqueles que ocupam uma posição subalterna na divisão internacional do trabalho.
O lobby bolsonarista e a sabotagem interna
Mas o cenário de 2025 acrescenta uma camada ainda mais perversa: a interferência direta de atores políticos brasileiros no incentivo à aplicação do tarifaço. Relatórios da diplomacia internacional e fontes jornalísticas independentes apontam para a atuação deliberada do deputado federal Eduardo Bolsonaro – conhecido por seu alinhamento ideológico extremo com a direita trumpista – em lobby junto a membros do gabinete de Trump para que o Brasil fosse incluído no pacote de tarifas.
A justificativa, segundo esses relatos, teria sido desestabilizar o governo Lula e desgastar economicamente o Brasil em um momento de tentativa de reconstrução nacional. Eduardo, que já havia se envolvido em ações controversas durante o governo do pai, mais uma vez se colocou contra os interesses do povo brasileiro em nome de um projeto de poder autoritário e entreguista.
Extrema direita e sabotagem nacional
Essa postura não apenas revela a falta de compromisso de setores da extrema direita brasileira com a soberania nacional, como escancara a disposição de sabotagem interna que marca o bolsonarismo mesmo fora do poder. A decisão de Trump, ao que tudo indica, foi influenciada por esse jogo político mesquinho, transformando o Brasil em alvo preferencial de uma agenda econômica americana que normalmente poupa aliados estratégicos.
Bolsonaro condenado e o isolamento da extrema direita
Paralelamente, o contexto interno brasileiro se agravou com a condenação criminal definitiva do ex-presidente Jair Bolsonaro, em virtude de sua participação em uma tentativa frustrada de golpe de Estado em 2023. A perda de direitos políticos e a rejeição crescente da comunidade internacional ao bolsonarismo ampliaram o isolamento do campo da extrema direita brasileira. No entanto, mesmo diante da derrota judicial de Bolsonaro, seus filhos e aliados seguem atuando como agentes desestabilizadores, inclusive em articulações internacionais que contrariam os interesses do Estado brasileiro.
Diplomacia, pragmatismo e riscos da negociação com Trump
É nesse cenário contraditório que emerge uma reaproximação diplomática entre Trump e Lula. Embora marcada por cautela e pragmatismo, essa tentativa de diálogo – mediada por setores do empresariado norte-americano e assessores do Departamento de Estado – revela o reconhecimento, por parte dos EUA, de que o Brasil continua sendo um ator-chave na geopolítica global.
Lula, como estadista experiente, tem buscado manter pontes abertas mesmo com governos hostis, evitando o isolamento e tentando reverter as tarifas por meio da diplomacia. No entanto, essa aproximação precisa ser vista com olhos críticos: Trump, mesmo ao dialogar com Lula, mantém sua lógica de supremacia econômica e impõe condições unilaterais. A esquerda não pode confundir negociação com submissão, e cabe ao governo brasileiro preservar sua soberania e princípios.
Impactos econômicos e sociais do tarifaço
A médio prazo, os impactos do tarifaço recaem sobre o setor industrial brasileiro de forma particularmente severa. O aumento dos custos para exportação aos Estados Unidos — que ainda representam um dos principais destinos de produtos industrializados do Brasil — enfraquece a competitividade da indústria nacional. Grandes empresas, especialmente nos setores metalúrgico e químico, já enfrentam queda de encomendas e necessidade de adequar seus planos de investimento.
Como resultado, há um risco real de fechamento de fábricas, demissões em massa e aprofundamento da precarização das condições de trabalho.
Reprimarização e dependência: o velho modelo de volta
Além disso, os pequenos e médios produtores, que muitas vezes atuam como fornecedores nas cadeias produtivas industriais, são diretamente afetados. Com a retração da demanda externa e o deslocamento do capital para países com acesso privilegiado ao mercado norte-americano, o Brasil se vê empurrado ainda mais para uma posição de exportador de commodities primárias de baixo valor agregado — uma lógica que remete ao modelo agroexportador do século XIX, totalmente anacrônico frente aos desafios do século XXI.
O desafio da soberania e o papel da esquerda
Para a esquerda brasileira, esse episódio deve servir como catalisador de um debate profundo sobre a necessidade de reindustrialização nacional, baseada em investimentos públicos, fortalecimento da ciência e tecnologia, soberania energética e política de conteúdo local. O Estado precisa retomar seu papel de indutor do desenvolvimento, articulando-se com movimentos sociais, sindicatos e universidades para reconstruir uma base produtiva sólida, ambientalmente sustentável e voltada para o bem-estar coletivo.
Conclusão: resistência e reconstrução nacional
Mais do que lamentar os efeitos de uma medida hostil, é preciso enxergar no tarifaço de Trump a prova concreta de que o Brasil não pode depender de relações comerciais assimétricas com os grandes centros do capitalismo global. O país precisa reconstruir sua autonomia econômica, reafirmar sua soberania política e fortalecer os laços com países da América Latina, África e Ásia, em busca de uma nova ordem internacional mais justa, multipolar e solidária.
Em última instância, a desindustrialização do Brasil não é apenas uma questão econômica — é uma questão política, social e civilizatória. Resistir ao tarifaço de Trump é resistir à lógica colonial que ainda estrutura o sistema-mundo capitalista. E essa resistência passa, necessariamente, por um projeto popular de nação, com protagonismo das classes trabalhadoras, compromisso com a justiça social e ruptura com as amarras do neoliberalismo dependente que há décadas corrói as bases do nosso desenvolvimento.
Thiago Rios é Secretário da Regional Nordeste da CNQ-CUT, secretário de Formação do Sindiquímica-Bahia e coordenador da Rede BASF na América do Sul
