Voltar

Pelo banimento do amianto no Brasil: secretária da CUT destaca que luta é da ética contra o poder

03 de Setembro de 2012

Ramo Químico

Um dia antes da segunda audiência no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o banimento do amianto no Brasil, a Central Única dos Trabalhadores promoveu...


Um dia antes da segunda audiência no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o banimento do amianto no Brasil, a Central Única dos Trabalhadores promoveu na sede do Sindicato dos Professores no Distrito Federal (Sinpro-DF), o lançamento do livro “Eternit  e o Grande Julgamento do Amianto.”

A obra editada por David Allen e Laurie Kazan-Allen trata de um movimento de famílias e vítimas do amianto na cidade italiana de Casale Monferrato, onde funcionou uma unidade da empresa. Por iniciativa da CUT, cinco mil exemplares foram traduzidos para o português.

A união dessas pessoas resultou em um processo que teve início em 2009 e terminou em 2012, com a sentença de 16 anos de prisão para o ex-proprietário da Eternit, Stephan Schmidheiny, e para um administrador da filial italiana, Jean-Louis de Marchienne, além do pagamento de 95 milhões de Euros, aplicada pelo Tribunal de Turim.

Empresários querem empurrar com a barriga

O momento para o lançamento não poderia ser mais propício, conforme destaca a secretária de Saúde do Trabalhador da Central, Junéia Batista.

“Com o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade à Lei 9.055, que discute o uso do amianto controlado em São Paulo, fomos para cima do ministro Ayres Britto, atual presidente do STF no mês de maio, expondo a importância de ele votar pelo banimento. Foi quando soubemos que o Instituto Crisotila, que defende o uso controlado, pediu as audiências públicas para postergar o julgamento. Então, com a sentença de Turim e o livro na mão achamos que era o momento político para editarmos no Brasil”, explica.

Ela acredita que até novembro, quando Britto irá aposentar-se, os trabalhadores terão o voto favorável ao fim da produção da substância cancerígena.

Mortes e irresponsabilidade –A luta da ética contra o poder, conforme definiu Junéia, deve ter muitos capítulos. A começar pelo fato de o Brasil ser o terceiro maior exportador do produto para o mundo e, portanto, contar com grande lobby dos empresários no Congresso e em outras instâncias de poder.

O tamanho dos prejuízos, porém, não justificam os lucros: o amianto é reconhecidamente responsável por causar câncer de pulmão, de laringe, do trato digestivo e do ovário. Dados do pesquisador Hermano Albuquerque, da Fiocruz, com base em informações do Ministério da Saúde, apontam que, entre 1980 e 2003, 2.414 pessoas morreram por mesotelioma, um tipo de tumor que ataca principalmente o pulmão.

Ainda segundo o ministério, entre 2011 e 2012, o Sistema Único de Saúde desembolsou R$ 291,8 milhões com tratamento de doenças causadas pela exposição ao amianto.
 
Souza e Maggion, vítimas do amianto em Osasco
Souza e Maggion, vítimas do amianto em Osasco


Mesmo o discurso de uso controlado foi rebatido pelo representante da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho e advogado da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto, Mauro Menezes.

“Uma vez no meio ambiente, o amianto pode contaminar qualquer pessoa, não apenas o trabalhador submetido a longas jornadas aspirando o produto. É um perigo e é por isso que não pode continuar sendo produzido e consumido no país”, comentou.

Cientes do potencial negativo, outros estados, além de São Paulo, já adotaram legislação mais progressista. Casos de Rio Grande do Sul, Pernambuco, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro.

Para Menezes, a obra pode ajudar a sensibilizar os ministros do Supremo. “Enquanto Brasil vive esse anacronismo na relação com o amianto, essa obra traz uma mensagem de esperança da grande rede de solidariedade internacional que se formou pelo banimento e criminalização dos responsáveis pelo padecimento de trabalhadores e por mortes causadas pela indústria. Não há mais espaço na sociedade brasileira para que outras pessoas sejam infelicitadas com esse drama.”

Espionar sim, respeitar não

Presente no lançamento, uma das editoras do livro, Laurie Kazan-Allen, destacou que, quando iniciou a pesquisa, acreditava conhecer todos os truques dos empresários. Mas, ao ler documentos e arquivos ficou surpresa com a falta de honradez e a inexistência de preocupação com o sofrimento humano.

Ela comenta que a Eternit contratou espiões para vigiar as atividades das vítimas, que começavam a organizar-se para lutar por seus direitos.  

“É algo escandaloso. Gastavam tanto dinheiro para monitorar ao invés de compensar essas pessoas”, disse.
As estratégias para manter os lucros em alto, mesmo à custa de milhares de vidas incluem até a cooptação de sindicatos pelegos, conforme afirmou o secretário-adjunto da Saúde do Trabalhador da CUT, Eduardo Guterra.

“Percebemos que há sindicalistas comprados, interessados em manter uma estrutura sindical que não tem legitimidade para representar os trabalhadores, que defendem a produção de amianto sob o viés capitalista, levando uma mensagem às pessoas desavisadas de que devemos ter fábricas para desenvolver as regiões, dar emprego, arrecadar impostos, sem tratar isso como uma questão de respeito ao ser humano. Diante disso, resolvemos fazer essa denúncia na OIT (Organização Internacional do Trabalho), em 2010”, resgata.

Dedicação vira doença

No centro dessas denúncias há históricas como as de Eliezer Souza e Doracy Maggion. Presidente da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto, Souza trabalhou durante 13 anos na Eternit em Osasco, inalando o produto constantemente. Em 2002, teve de tirar nódulos da pleura, membrana que reveste o pulmão, e ainda tem o produto no corpo.

“Todos que trabalharam na fábrica, mesmo quem ainda não tem nenhum sinal de doença, está no grupo de risco. O Aldo, esse que está na foto (refere-se ao livro) fazia exames de dois em dois anos, não tinha nada, mas aí apareceu a asbestose – enrijecimento do tecido pulmonar causado pelo amianto – e em três meses já estava morto”, lembra.

Justamente a doença contraída por Maggion, funcionário por 19 anos também da Eternit de Osasco. “Não há remédio. Você tem que andar, mas não pode fazer nenhum tipo de esforço, subir escada porque logo cansa.”

Será a Justiça a esses trabalhadores e às famílias deles que o STF discutirá em audiência nesta sexta-feira (31). Para a CUT, a esperança é que a ética vença o poder.