PL 4330: porque o projeto de terceirização é inconstitucional
22 de Setembro de 2013
Geral
O artigo resgata o histórico do projeto e mostra, de maneira didática, como a proposta fere os direitos...
A advogada trabalhista e mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP Elaine D´Ávila Coelho, e a economista e doutorando do IE-Unicamp e assessora sindical Marilane Oliveira Teixeira* não deixam dúvidas: o Projeto de Lei 4330/2004 é inconstitucional.
No artigo Que tempos são estes, em que é necessário defender o óbvio? elas apontam que a proposta viola o direito à organização sindical e negociação coletiva, a isonomia de salários, a opção pela responsabilidade subsidiária e promove desigualdades.
Leia alguns trechos abaixo (capture aqui o texto na íntegra):
“Que tempos são estes, em que é necessário defender o óbvio?”
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Por mais que alguns setores da sociedade defendam que a regulamentação da terceirização é necessária para “proteger” os empregados que se submetem a tais condições, na prática, da forma que se apresenta, caso aprovado o Projeto de Lei 4330 em discussão no Congresso Nacional, representará um retrocesso nas relações de trabalho, tornando lícito o que é ilícito, viabilizando, portanto, a mais completa reforma da legislação trabalhista, muito mais profunda do que aquela que propunha a alteração do art. 618, da CLT, de forma a permitir que o negociado prevalecesse sobre o legislado e que, graças às mobilizações sindicais e sociais, foi retirada da pauta do Congresso Nacional.
Nosso propósito, neste artigo, é pontuar as questões que fazem da terceirização e do projeto que está em discussão um retrocesso do ponto de vista trabalhista e dos direitos fundamentais dos trabalhadores, consagrados pela Constituição Brasileira, estabelecendo, portanto, uma relação de comércio com a mão de obra e “coisificando” os trabalhadores.
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A consequência disso tudo é que, na ânsia do lucro fácil, as empresas terceirizam sem qualquer freio toda e qualquer atividade, pulverizando a execução da produção para diversas empresas de prestação de serviços que, por sua vez, contratam empregados com direitos e benefícios rebaixados, os quais passam a conviver com os empregados das empresas tomadoras de serviços em condições de profundas desigualdades. Ao término de tais contratos, como se não bastassem as condições precárias enfrentadas durante a sua vigência, estes empregados, considerados por muitos como sendo de “segunda categoria”, também passam a enfrentar a falta de pagamento de suas verbas rescisórias, fato que vem ocorrendo em larga escala, também, nos serviços públicos, quando as empresas prestadoras de serviços simplesmente desaparecem, deixando os trabalhadores jogados à sua própria sorte.
Neste contexto, a terceirização passou a ser identificada como um fenômeno precarizante, pois implantada não com o intuito de aumentar a qualidade dos produtos ou serviços produzidos, mas como uma estratégia para diminuir os custos do trabalho com a redução dos direitos trabalhistas. Por isso a identificamos como um verdadeiro processo de desregulamentação dos direitos trabalhistas, do qual o patrimônio jurídico dos trabalhadores é excluído e se desenvolve paralelamente ao Direito do Trabalho, que vai sendo deixado de lado sob a justificativa de ser muito “rígido”, “inflexível”, não ser “moderno”, nem acompanhar a evolução das relações de trabalho.
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Nesse sentido, as motivações econômicas e a busca por maior competividade e redução de custos estão no centro das iniciativas de terceirização. Nos anos de 1990 foi disfarçado pelo discurso neoliberal de que a prática estimularia a geração de postos de trabalho, o que não se confirmou, pois ao final dessa década o desemprego havia evoluído 70% (Quadros, 2003). Na atualidade o discurso empresarial se volta para a busca de competitividade uma vez que já não é possível atribuí-lo como fator de criação de empregos, esse sim resultante do dinamismo econômico. Agora a prática é estimulada dentro de um contexto determinista, trata-se de uma tendência e quem não compartilha dessa modernidade é retrógrado e corporativista.
O setor de confecções é vastamente utilizado como exemplo de “modernidade”, a organização em rede permite que todos possam usufruir de seus resultados. A cadeia de produção da indústria têxtil é, sem dúvida, das mais perversas. Os métodos de trabalho lembram o século XIX, o trabalho a domicilio é fartamente utilizado pelas empresas sem oferecer nenhum direito ou garantia a essas trabalhadoras cujas jornadas oscilam entre 12 e 16 horas diárias. O volume de acidentes de trabalho registrados entre os trabalhadores efetivos e os terceirizados em empresas do setor elétrico e de petróleo é alarmante. Somente na Petrobras entre 1995 e 2008 morreram 257 trabalhadores, destes 81% eram trabalhadores terceirizados.
O problema é intrínseco à forma de contratação das prestadoras de serviços, no caso do setor público, mas certamente também se aplica ao setor privado. A contratação não visa à qualidade ou especialização dos serviços oferecidos, mas se direciona àquelas que oferecem os melhores preços ou apresentam a melhor oferta. Com isso teremos prestadoras oferecendo serviços com pouca qualificação e preparação para atuarem em determinadas áreas potencialmente geradoras de graves acidentes de trabalho. As prestadoras de serviços para realizar as suas ganâncias contratam trabalhadores nas piores condições, além de não oferecer treinamento adequado. O resultado são as mortes e mutilações provocadas pelos acidentes de trabalho e que são de longe o efeito mais perverso da terceirização e tudo isso sem responsabilizar as tomadoras dos serviços, as grandes beneficiadas.
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Na terceirização, os trabalhadores perdem em direitos e benefícios e isso viola o princípio da igualdade e os direitos e garantias fundamentais constitucionais, que visam dar efetividade ao princípio fundante do Estado Democrático de Direito, que é a dignidade da pessoa humana.
Mas não é apenas isso. O Brasil possui uma legislação protetiva, que assegura direitos individuais e coletivos aos trabalhadores, e, por outro lado, possui, também, regras antidiscriminatórias, de natureza fundamental, autoaplicáveis às relações laborais.
Desta forma, a redução ou a eliminação dos direitos trabalhistas, como ocorre em grande parte dos processos de terceirização, merece ser vista como contrária à ordem constitucional. E aqui não se fala apenas da terceirização ilícita, quando é óbvia a violação legal, mas, também, da terceirização lícita, pois ainda que realizada de acordo com os parâmetros permitidos pela jurisprudência, só poderá ser considerada legal se não excluir os trabalhadores terceirizados da incidência dos direitos fundamentais.
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“Teoricamente é possível admitir em alguns setores que haja a necessidade de recorrer a serviços mais especializados, como por exemplo, o transporte de valores no sistema bancário ou serviços de caráter temporário, a exemplo da construção civil. (...) No entanto, independente da categoria respectiva dos trabalhadores na produção, deve ser assegurado o mesmo patamar de direitos, por meio de uma norma coletiva única e como membros de uma mesma base de representação”, defendem.
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Em conclusão, consideramos que o Projeto de Lei 4330 é inaceitável por incorporar todas as formas de precarização do trabalho, aprofundando as desigualdades e a discriminação entre os trabalhadores. As conquistas desses últimos anos como a redução da pobreza e da desigualdade e a ampliação do número de trabalhadores que passaram a ter acesso a um conjunto de direitos através da formalização de seus vínculos de emprego não podem ser solapadas por uma prática precarizadora das relações de trabalho e fragmentadora da organização dos trabalhadores.
Diante da gravidade da situação, vários movimentos vêm debatendo este projeto, especialmente desde 2011, quando um amplo movimento intitulado “Fórum em Defesa dos Direitos dos Trabalhadores Ameaçados pela Terceirização”, formado por Associações de Magistrados e de Procuradores do Trabalho, Centrais Sindicais, Associações de Advogados do Trabalho e Acadêmicos se constituiu e tem mantido forte atuação em defesa do óbvio, ou seja, de uma regulamentação protetora do trabalho.
Recentemente, com muita satisfação, tomamos conhecimento da nota de 19 Ministros do TST se posicionando contra o Projeto de Lei 4330, bem como de Procuradores do Trabalho, ambas não admitindo o retrocesso social que representa a ideia inserida no referido projeto.
Defender o óbvio. Às vezes é necessário para que a história não se repita como tragédia."
* Elaine D’Ávila Coelho e Marilane Oliveira Teixeira também são assessoras da CNQ-CUT (Confederação Nacional do Ramo Químico).
Que tempos são estes, em que é necessário defender o óbvio? - frase de Bertolt Brecht.
Leia mais:
- O PL 4340 provocará gravíssima lesão social de direitos sociais. Dezenove dos 26 ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST) assinaram ofício condenando o projeto. Acesse o link:
http://www.cnq.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1079:opiniao&catid=41:colunas
- Acesse a página da CUT – capture os materiais contra a terceirização (cartaz / folder / folheto):
http://www.cut.org.br/campanhas/13/campanha-em-defesa-dos-trabalhadores-e-trabalhadoras-ameacados-pela-terceirizacao
- Acesse o hot site - Fórum em Defesa dos Trabalhadores e Trabalhadoras Ameaçados pela Terceirização: