Shell e Basf assinam acordo em Brasília: vitória dos trabalhadores
09 de Abril de 2013
Ramo Químico
Multinacionais condenadas por contaminação A Shell Brasil e a BASF S.A. assumiram uma série de obrigações junto aos...
Multinacionais condenadas por contaminação
A Shell Brasil e a BASF S.A. assumiram uma série de obrigações junto aos ex-trabalhadores e à comunidade em audiência realizada no Tribunal Superior do Trabalho (TST), em Brasília, na manhã de segunda-feira (08 de abril). O termo oficial foi também assinado pelo Sindicato Químicos Unificados, Associação dos Trabalhadores expostos a Substâncias Químicas (Atesq – formada pelos ex-trabalhadores Shell/BASF), Ministério Público, pelo ministro-presidente do TST, Carlos Alberto Reis de Paula, e pela ministra relatora Delaide Miranda Arantes, que antes da formalização do acordo já havia escrito sua sentença sobre o caso, com 130 páginas.
Assinar e assumir as obrigações significou a formalização da derrota da Shell e da BASF na luta que contra ela travaram, por 12 anos, o Unificados e os ex-trabalhadores das duas multinacionais, com a participação de diversas entidades do movimento social, parlamentares e pessoas comprometidas com a defesa da saúde e do meio ambiente, em reação à contaminação ambiental e humana cometida por ambas na planta industrial situada no bairro Recanto dos Pássaros, em Paulínia/SP.
As obrigações
No documento assinado em Brasília, a Shell/BASF se obrigam a custear todo o tratamento médico, hospitalar e ambulatorial, inclusive com medicação e transporte, de ex-trabalhadores e filhos, além de plano de saúde vitalício. Está também previsto o pagamento por dano moral individual e coletivo. No coletivo, a importância de R$ 200.000.000,00 deverá ser revertida a pessoas jurídicas indicadas pelo Ministério Público do Trabalho, após sua prévia aprovação de programa destinado à pesquisa, prevenção e tratamento de trabalhadores vítimas de intoxicação ou adoecimento decorrentes de desastres ambientais, contaminação ambiental, intoxicação aguda ou acidentes de trabalho que envolvam queimaduras, preferencialmente na região metropolitana de Campinas. Para Antonio de Marco Rasteiro, coordenador da Atesq e ex-trabalhador Shell/BASF, “Foi uma grande conquista em defesa da saúde e da vida dos ex-trabalhadores Shell/BASF, o principal foco da ação. Agradecemos a todos que se juntaram a nós nessa luta, mesmo contra a opinião de muitos que diziam que as multinacionais iriam ‘comprar tudo’ e que a causa, embora justa, estava perdida desde o início. E tudo começou com apenas três ex-trabalhadores, persistentes e teimosos, que levaram dois anos até que a luta começasse a se concretizar".
Mauro Bandeira, também coordenador da Atesq e ex-trabalhador Shell/BASF, diz que agora pode acreditar que as empresas “batalharam… batalharam… batalharam, mas foram derrotadas". E conclui: “Por mais poderosas que as duas empresas sejam, a união dos trabalhadores garantiu que o objetivo, a defesa da saúde e da vida, fosse atingido”.
Glória Nozella, dirigente da secretaria de saúde do Sindicato Químicos Unificados, diz sentir-se aliviada em saber que a luta está encerrada e que terminou a imensa batalha onde as vítimas de contaminação tinham de provar que estavam com a razão. Ela lamenta a morte de André Luis Diogo, aos 49 anos, ocorrida na última sexta-feira (05 de abril), por problemas no fígado relacionados à contaminação.
Arlei Medeiros, dirigente da Fetquim-CUT (Federação dos Trabalhadores do Ramo Químico do Estado de São Paulo) e da Intersindical, afirma que “Entre lutas e lágrimas, hoje a classe trabalhadora teve uma grande vitória. Pela primeira vez na história do direito do trabalho, assinamos um acordo que envolve quase 1.100 trabalhadores sem a necessidade de provar o nexo causal. A partir de agora, os trabalhadores não vão mais precisar ficar por anos discutindo se a empresa contaminou ou não, porque muitas vezes a pessoa falece antes mesmo da apuração. Este é um acordo histórico e demonstra que a luta vale muito!”
A defesa da saúde
Com o acúmulo de provas de que manipulavam, desinformados, substâncias químicas contaminantes e perigosas à saúde, os trabalhadores não tiveram que provar o chamado nexo causal entre os sintomas de doenças com o trabalho exercido na Shell/BASF. Foi a primeira vez que isso ocorreu em tribunais.
Com essa dispensa do nexo causal, ficou criado na Justiça trabalhista brasileira um novo paradigma, um novo padrão: a simples exposição do trabalhador a qualquer substância ou produto contaminante já garante a necessidade de acompanhamento de sua saúde, uma responsabilidade que todas as empresas, em qualquer ramo de atividades, terão que assumir.
Esta ação contra a Shell/BASF é uma das maiores pendências trabalhistas (em valores e em número de envolvidos) na história da Justiça no país, conforme garantiu o ministro do TST, João Antonio Dalazen.
Uma vitória dos trabalhadores contra dois gigantes multinacionais, com poder econômico e político superior ao de muitos países do planeta. E Shell e BASF não economizaram nessa batalha contra os trabalhadores. Desde o início, ainda em 2002, contrataram peritos que negavam a real dimensão da contaminação. Caso exemplar é o Dr. René Mendes, médico toxicologista contratado pela Shell Brasil como consultor nas questões de contaminação de seus ex-trabalhadores. O Dr. René Mendes perdeu a sua indicação para o “reconhecimento internacional como grande técnico a serviço da sociedade global” ao ver recusada sua aceitação como membro vitalício do Collegium Ramazzini, sediado na Itália, após a denúncia do Dossiê Shell/BASF ser encaminhada pelo Unificados à entidade.
As duas multinacionais também contrataram advogados com reconhecimento nacional e internacional como, por exemplo, os Dallari. Também contrataram como advogados, assessores, consultores e lobistas ex-integrantes de diversos níveis do Poder Judiciário brasileiro. Entre eles, Almir Pazzianotto, ex-integrante do próprio TST e ex-ministro do Trabalho no governo do presidente José Sarney.
Sobre o caso
Com o acordo, após uma longa luta de 12 anos, as duas multinacionais finalmente pagarão pelo crime de contaminação no período de 1974 a 2002 na planta industrial do município de Paulínia (Recanto dos Pássaros), São Paulo. Durante 28 anos os trabalhadores nunca foram informados do risco a que estavam expostos e os exames médicos periódicos não eram divulgados de forma clara, precisa e objetiva.
Em 2002 o Unificados e os ex-trabalhadores das duas multinacionais entraram com ação na Justiça do Trabalho, em Paulínia. As empresas foram condenadas e sentenciadas pela juíza da 2ª Vara do Trabalho de Paulínia, em agosto de 2010, em primeira instância.
A Shell e a BASF recorreram então à segunda instância. Em abril de 2011 o TRT, em Campinas, confirmou a condenação de Paulínia e manteve a sentença. As duas multinacionais recorreram então à terceira instância, no TST, em Brasília. Por meio do ministro João Antonio Dalazen foram então realizadas três audiências em busca de um acordo, realizadas no próprio TST nos dias 14 e 28 de fevereiro e 5 de março últimos.
Fotos: Acervo Sindicato Unificado dos Químicos