Trabalhadores reclamam que não estão sendo considerados no marco regulatório da mineração
03 de Setembro de 2014
Brasil
CNQ e lideranças da CUT e de outras centrais participam de audiência na Câmara dos Deputados, na qual sindicatos discutiram o novo código e...
CNQ e lideranças da CUT e de outras centrais participam de audiência na Câmara dos Deputados, na qual sindicatos discutiram o novo código e alertaram que regulamentação precisa contemplar a proteção à saúde e à segurança dos trabalhadores
Reportagem – Lara Haje, Edição – Marcos Rossi (Câmara dos Deputados)
Representantes de centrais sindicais reclamaram nesta terça-feira (2) que os trabalhadores não estão sendo considerados no debate sobre o novo Código de Mineração (Projeto de Lei 5807/13). O assunto foi debatido em audiência pública conjunta das comissões de Legislação Participativa e de Direitos Humanos e Minoria da Câmara dos Deputados.
O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI), José Calixto Ramos, defendeu que a proposta apresentada pelo governo seja mais discutida para contemplar a proteção à saúde e à segurança dos trabalhadores do setor e o controle social sobre a atividade de mineração.
O representante da Confederação Nacional do Ramo Químico, que integra a Central Única dos Trabalhadores (CUT), Rosival Araújo apontou que as sugestões feitas pelos trabalhadores do setor também não foram contempladas pelo relator, deputado Leonardo Quintão (PMDB-MG), no substitutivo à proposta de código. Segundo ele, o trabalhador do setor sofre duplamente: pelas condições precárias de trabalho e por ser, em geral, morador das comunidades atingidas pela mineração.
O deputado Nilmário Miranda (PT-MG), que solicitou a audiência, apoiou a reivindicação. “Os trabalhadores do setor vieram unificados – as centrais sindicais, os 64 sindicatos em todo o País, as federações e confederações. Se eles estão unidos, eles têm força e direito de querer que a questão socioambiental entre no marco regulatório. Quem faz a mineração são os trabalhadores, não são as empresas.” O deputado informou que as comissões vão solicitar a realização de conferência nacional sobre mineração para discutir os assuntos pertinentes ao setor.
Acidentes e mortes
O coordenador-geral de Política de Seguro contra Acidentes do Trabalho do Ministério da Previdência Social, Paulo César Andrade, disse que o setor de mineração é considerado altamente insalubre, com elevado índice de adoecimentos e acidentes, levando muitas vezes à aposentadoria precoce.
Segundo o pesquisador Celso Salim, da Fundacentro – entidade de pesquisa ligada ao Ministério do Trabalho e Emprego –, a mineração é o quarto setor da economia com mais acidentes de trabalho no País e o segundo em taxa de mortalidade por acidente de trabalho. Segundo Salim, isso tem reflexo forte na vida das famílias, além de causar depressão e traumas para os trabalhadores. Os riscos a que os trabalhadores da mineração são submetidos, conforme o pesquisador, incluem exposição a poeira, manejo de equipamentos sem proteção, carga de trabalho excessiva e movimentos repetitivos, entre outros.
A médica do trabalho Paula Werneck, que participou de pesquisa feita entre 2004 e 2008 pela Fundacentro, afirmou que houve, só no quadrilátero ferrífero em Minas Gerais, 1.967 acidentes no setor de mineração no período. De acordo com a médica, cortes e contusões nos membros superiores e inferiores, perda da audição, doenças do olho (por conta dos produtos químicos utilizados no trabalho) e dor lombar estão entre as lesões mais comuns entre os empregados do setor. Dos 1.967 acidentes com trabalhadores no período, 11 resultaram em morte; 104, em internação; 218 trabalhadores tiveram benefício previdenciário temporário por conta do acidente; e 16 tiveram de aposentar-se por invalidez.
Doenças respiratórias causadas pela inalação de poeira, como a silicose, também são crônicas entre trabalhadores da mineração, mas essas não chegam a ser computadas como acidentes de trabalho pela própria Previdência Social.
Subnotificação
A engenheira de Segurança da CNTI, Marta Freitas, ressaltou que os dados oficiais não refletem a realidade, já que há uma subnotificação dos acidentes. Conforme ela, um dos motivos por que isso ocorre é que grande parte dos trabalhadores do setor não tem carteira assinada. Ela ressaltou ainda que os acidentes atingem mais os trabalhadores terceirizados.
Marta defendeu que seja constituído um banco de dados único para relatar os acidentes e doenças de trabalho do setor, reunindo dados da Previdência, do Ministério do Trabalho, de profissionais da saúde, das empresas, dos sindicatos e da Receita Federal. Diversos participantes reclamaram da falta de dados oficias precisos, em âmbito nacional, sobre os acidentes, mortes e doenças envolvendo trabalhadores da mineração.
Falta fiscalização das medidas de proteção aos trabalhadores, aponta médica
A médica do Trabalho Andreia Silveira, da Escola de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, apontou nesta terça-feira (2) que as medidas de proteção aos trabalhadores da mineração, já existentes em lei e regulamentos, não são colocadas em prática pelas empresas do setor. “Temos que fortalecer, nesses ambientes de trabalho, a vigilância e o monitoramento contínuo pelo Ministério do Trabalho e Emprego, e a presença dos sindicatos”, afirmou.
Em audiência pública conjunta das comissões de Legislação Participativa e de Direitos Humanos e Minoria da Câmara dos Deputados sobre as condições de saúde e segurança da mineração brasileira, Andreia ressaltou que, na mineração, trabalhadores jovens são colocados em atividades perigosas sem o devido treinamento. Além disso, observou que as longas jornadas de trabalho favorecem os acidentes.
O presidente da Comissão de Seguridade Social, deputado Amauri Teixeira (PT-BA), também acredita que o setor precisa ser fiscalizado mais duramente. Ele defendeu ainda mudanças na legislação para prevenir acidentes na mineração. “Temos que preservar o trabalhador e o patrimônio público, já que o setor de mineração onera muito a Previdência e é um dos mais agressivos à saúde do trabalhador”, afirmou.
Violação aos direitos humanos
O frei Rodrigo Peret, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), disse que a igreja, que está presente nos territórios de mineração, recebe muitas denúncias de violação de direitos humanos, incluindo de direitos dos trabalhadores, de indígenas e da comunidade quilombola, nesses territórios.
Segundo ele, o substitutivo ao novo Código de Mineração (Projeto de Lei 5807/13) dá ainda mais garantia às empresas e diminui a capacidade de gerência do governo sobre a atividade. Além disso, na visão da CNBB, a proposta não garante a proteção das comunidades afetadas pela mineração e nem a proteção das terras de indígenas e quilombolas.
O representante do Comitê Nacional dos Atingidos pela Mineração, Luis Paulo Guimarães, ressaltou que as comunidades afetadas pela atividade não foram ouvidas no processo de discussão do marco regulatório da mineração nem pelo governo, nem pelo relator, deputado Leonardo Quintão (PMDB-MG). Ele afirmou ainda que quase todos os deputados integrantes da comissão especial que analisa o novo Código de Mineração receberam doações de empresas de mineração às suas campanhas.
O diretor-presidente da empresa de mineração Vale foi convidado para a audiência, mas não compareceu nem enviou representante.
Leia aqui a íntegra da proposta: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=581696
Fonte: Câmara dos Deputados