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Fique atento à nanotecnologia: entrevista 5

22 de Abril de 2014

Ramo Químico

Nanotecnologia e Comunicação A jornalista da Fiocruz, Fernanda Marquez, mestre e doutora em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia...

Nanotecnologia e Comunicação

FátimaA jornalista da Fiocruz, Fernanda Marquez, mestre e doutora em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia pela UFRJ, é a quinta entrevistada da série sobre a utilização da nanotecnologia nos processos produtivos. Fernanda traz à luz o interessante debate sobre nanotecnologia e comunicação. Para ela, compreender essas relações é estratégico para que essa nova tecnologia esteja a serviço da cidadania e não restrita aos interesses econômicos de minorias. Confira.

Por que estudar as relações entre comunicação e nanotecnologia?

Fernanda Marques: A nanotecnologia, como tantas outras questões de C&T, não diz respeito apenas aos cientistas. Ela pode ter impacto na vida das pessoas e, portanto, é preciso um debate público sobre nanotecnologia. Aqui entra a comunicação, que, mais do que um conjunto de técnicas para a transmissão de mensagens, constitui uma ação política. Por exemplo, destacar alguns aspectos da nanotecnologia em detrimento de outros é uma decisão política. Dessa forma, compreender as relações entre comunicação e nanotecnologia é estratégico para que, efetivamente, essa nova tecnologia esteja a serviço da cidadania (e não restrita aos interesses econômicos de minorias).

Muito se fala de nanotecnologia hoje em dia. As pessoas estão bem informadas?

Fernanda Marques: De fato, nanotecnologia se tornou uma palavra da moda. Porém, muitas vezes, ela é simplesmente citada, sem contexto ou de forma fragmentada. Por exemplo, quando é usada como ‘argumento de autoridade’ para atestar o diferencial ou o valor de uma pesquisa ou um produto. Frases soltas como ‘esse cosmético contém nanopartículas’ ou ‘pesquisadores tornaram o dispositivo mais eficiente recorrendo à nanotecnologia’ dizem pouco ou nada sobre o que realmente é ou faz a nanotecnologia. Ter ouvido falar da nanotecnologia é diferente de estar bem informado acerca dessa nova tecnologia. E, eu ousaria afirmar, atualmente, é preciso até mais do que estar bem informado.

Mais do que informação?

Fernanda Marques: Sim. Informação é fundamental. Não resta dúvida. Mas informação é – ou deveria ser – um insumo para a ação. Não basta acumular uma quantidade enorme de informações. É preciso analisá-las, filtrá-las, cruzar e confrontar informações de diferentes fontes. E, como resultado dessas reflexões, tomar decisões como: consumir ou não determinado produto; apoiar ou não determinadas causas e grupos; fazer ou não determinadas reivindicações. Esse engajamento público em nanotecnologia ainda parece algo distante da nossa realidade. Aliás, ainda não temos nem mesmo uma boa cobertura jornalística a respeito da nano.

Quais os principais problemas da cobertura?

Fernanda Marques: É sempre complicado fazer generalizações – sempre existem honrosas exceções. Grosso modo, porém, o jornalismo sobre C&T não tem atuado como um mediador que incita debates e provoca reflexões. Ele tem se limitado ao papel de fornecedor de conteúdos – e conteúdos ‘fracos’, diga-se de passagem. Ele noticia os resultados de pesquisas pontuais, mas dá pouca atenção ao processo de ‘fazer’ ciência e à contextualização daqueles resultados. No caso da nanotecnologia, isso se traduz em notícias que se restringem às maravilhas que a nanotecnologia já proporcionou e, especialmente, ainda proporcionará, no futuro, como cura de doenças e máquinas cada vez mais inteligentes. Na maioria das vezes, somente físicos, químicos e biomédicos têm voz nessas matérias. As incertezas da ciência e os riscos da nova tecnologia não costumam ser discutidos. Quem poderá ter acesso àquelas maravilhas? É possível que aprofundem desigualdades sociais? Questões como essas, de fundo sociológico, também não integram a pauta, cada vez mais superficial.

Quais as causas desses problemas?

Fernanda Marques: O jornalismo investigativo/interpretativo, com suas grandes reportagens, está se tornando escasso em quase todas as editorias e, notadamente, na de C&T. Prevalecem as notícias 'quentes', as novidades rápidas, os 'novismos', os fragmentos informativos. Na cobertura de C&T, não é difícil encontrar reproduções de press releases distribuídos pelas assessorias de imprensa de universidades, centros de pesquisa e empresas. Existe uma homogeneização do noticiário, com vários veículos reproduzindo as mesmas pautas, com os mesmos enquadramentos. Esse cenário é resultado da combinação de uma série de fatores. Nas redações, a exigência de produtividade, por vezes, inviabiliza apurações mais demoradas e rigorosas. E lacunas na formação dos jornalistas tendem a agravar esse problema.

Como melhorar a cobertura?

Fernanda Marques: Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que não se trata de um problema exclusivo do jornalismo. A lógica da produtividade, do quantitativo sobre o qualitativo, e o déficit da educação estão bastante disseminados na nossa sociedade. Por outro lado, temos hoje uma série de oportunidades – ainda não plenamente aproveitadas – de acesso à informação e troca de ideias, como nos blogs e redes sociais. E há oportunidades também fora do mundo virtual: universidades, museus de ciência, escolas, sindicatos e outros espaços, não raro, programam atividades que visam à apropriação social do conhecimento científico. Na medida em que se fortalecem tais iniciativas, cria-se uma nova cultura científica, com uma diversidade de vozes e atores aptos a participar daquela comunicação sobre a qual falávamos antes, a comunicação como ato político. Com a expansão desse processo, a tendência seria a voz desses sujeitos não poder mais ser desprezada, nem pelos gestores das políticas públicas, nem pela grande imprensa. Mas esse é um movimento de médio a longo prazo. E observe que usei o futuro do pretérito (“seria”), porque não se trata de algo fácil. As oportunidades existem, sim, mas emaranhadas em estruturas sociais que precisam se transformadas.

As estratégias de divulgação da nanotecnologia não devem se limitar à chamada grande imprensa?

Fernanda Marques: Que a grande imprensa é – ou deveria ser – um espaço privilegiado para a divulgação da C&T, disso ninguém duvida. Mas nenhuma oportunidade de discutir a nanotecnologia com o público não especialista deve ser desperdiçada.

Fernanda Marques é Jornalista (Uerj), mestre e doutora pelo Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia (UFRJ). Foi repórter da Ciência Hoje e do Jornal do Brasil. Em assessoria de comunicação, atuou na Empresa Municipal de Multimeios (MultiRio) e, atualmente, trabalha na Editora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

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