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Entrevista: Fique atento para a nanotecnologia

06 de Fevereiro de 2014

Ramo Químico

Preocupada com os desdobramentos da utilização da nanotecnologia nos processos produtivos, a Secretaria de Saúde do Trabalhador da CNQ-CUT...

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Preocupada com os desdobramentos da utilização da nanotecnologia nos processos produtivos, a Secretaria de Saúde do Trabalhador da CNQ-CUT (Confederação Nacional do Ramo Químico) apresenta a primeira de uma série de entrevistas sobre o assunto. A ideia nasceu no FST 2014 (Fórum Social Temático), realizado em janeiro na cidade de Porto Alegre (RS), que também debateu o tema. Para contribuir com a discussão, o sociólogo Paulo Martins, coordenador da Renanosoma (Rede Brasileira de Pesquisas em Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente), introduz o leitor nesse novo cenário, avalia as possibilidades de investimentos no setor e destaca a importância da atuação dos sindicatos.

pmartins 07Para introduzir o leitor nesse tema, o que significa a palavra nanotecnologia?

Paulo Martins - Temos de ter claro que o prefixo nano significa uma medida. Que medida é essa? Todos os leitores conhecem um metro. Todos nós somos referenciados - em termos de estatura física - pelo metro. Por exemplo: “fulano tem um metro e oitenta de altura”. Pois tomando-se um metro e dividindo esse metro por um bilhão teremos um nano. Portanto, um nano significa um bilionésimo do metro. É a dimensão de 1 a 100 nanos que a literatura tem designado como nanotecnologia.

 

O que ocorre na dimensão entre 1 a 100 nanos que torna a nanotecnologia tão importante?

Paulo Martins - Pois é nessa dimensão que a manipulação de átomos e moléculas está ocorrendo. Como são várias as técnicas de manipulação, devemos falar em nanotecnologias. Não é fácil imaginar isso. Por exemplo, um fio de cabelo tem cerca de 80 mil nanômetros. Imagine então a manipulação de átomos e moléculas entre 1 a 100 nanos. É uma dimensão muito, muito pequena que só pode ser vista com equipamentos (microscópios) especiais.

 

Mas por que realizar a manipulação de átomos e moléculas nessa dimensão tão pequena?

Paulo Martins - É porque nessa dimensão a matéria apresenta características distintas, diferentes da mesma matéria em escala superior (micro, centímetro, etc). Todos conhecem o alumínio. Para muitos de nós o alumínio está presente em nossas residências, por exemplo, nas panelas que utilizamos para preparar os alimentos. Mas o alumínio em tamanho nano serve como um dos combustíveis para os foguetes que levam astronautas ao espaço.

 

Você poderia apontar um outro exemplo mais próximo do nosso dia a dia?

Paulo Martins – Claro! Muita gente gosta de churrasco e de café. O leitor ou a leitora já se perguntou por que se faz churrasco com sal grosso, e não sal fino, e por que se faz café com o pó de café e não com os grãos de café? A resposta é simples: quanto menor for a partícula mais reativa ela vai ser porque tem uma área de contato maior. No caso do café, por exemplo, ao se utilizar o pó estamos colocando mais área de contato do café com a água para assim produzir um café de qualidade. Tente fazer café com os grãos e confira a qualidade do resultado.

No que se refere ao churrasco, nos interessa o processo contrário do café, ou seja, menor contato com a carne. Por isso usamos sal grosso onde a área de contato é menor que a proporcionada pelo sal fino. Tente fazer um churrasco com sal fino e veja o resultado; certamente a carne ficará supersalgada. Em síntese, quanto menor a partícula, maior sua área de contato, o que a torna mais reativa. São essas e outras características que fazem da nanotecnologia uma área de interesse de governos e empresas, principais investidores dessa tecnologia.

 

Sua explicação não deixa dúvidas da importância estratégica do tamanho da partícula. A partir daí, qual o interesse do governo e das empresas no desenvolvimento das nanotecnologias?

Paulo Martins - Toda empresa quer ter mais lucro. Uma forma de alcançar esse lucro é sendo proprietária de monopólios e/ou oligopólios. Uma das formas de obter essa condição é dominando tecnologias, no caso a nanotecnologia para, com isso, ampliar seu lucro. A nanotecnologia também pode permitir a produção das mesmas coisas e dos mesmos produtos, porém, com a utilização de menos matéria-prima e energia. Nesse caso, os custos decrescem e os lucros crescem. A nanotecnologia pode também implicar em inovação, em novos produtos que acabam por deslocar uma série de produtos do mercado. Quem já tem uma certa idade já teve um despertador, um radinho portátil, um calendário, um relógio, uma máquina fotográfica, uma calculadora. Cada mercadoria referenciada correspondia a uma fábrica. Há alguns anos, todos esses produtos foram trocados por um único que reúne todos eles: o celular. Claro que não foi só a nanotecnologia que viabilizou isso (tem a tecnologia da informação, por exemplo), mas sem ela isso não teria ocorrido.

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Você retratou o interesse das empresas, agora poderia explicar qual o interesse dos governos em investir em nanotecnologia?

Paulo Martins – Como sabemos, muitos governos por este mundo afora têm como prioridade atender os interesses dos empresários. Há uma hegemonia dominante de que cabe aos governos e seus sistemas de ciência e tecnologia viabilizar a produção de novos conhecimentos (tecnociência) que venham a permitir que empresas se apropriem desses conhecimentos e, com isto, possam se tornar inovadoras - ampliando a sua participação no mercado e consequentemente tornando monopólicas/oligopólicas e ampliando seus lucros.

Qual a questão que se coloca aqui? É que tudo isso é feito com o dinheiro público. O dinheiro público é utilizado para produzir conhecimentos relativos a novos produtos e processos de interesse do capital, e não para produzir conhecimentos sobre os impactos dessas novas tecnologias na sociedade, no meio ambiente e na saúde humana.

 

Há muito dinheiro privado [empresas] e público [governo] sendo investido no desenvolvimento das nanotecnologias. Assim, interessa aos trabalhadores saber como esse dinheiro público está sendo utilizado. No caso brasileiro, como você avalia o investimento nessa área?

Paulo Martins - Nós acompanhamos como o dinheiro público tem sido usado, de 2001 até 2013, para o desenvolvimento das nanotecnologias no Brasil. Podemos dividir esse investimento, de maneira geral, em dois blocos. O primeiro se refere aos recursos aplicados na chamada “ciência da produção”, para se obter mais conhecimentos relativos ao processo produtivo, diminuindo assim as incertezas relativas a esse processo e produtos nanotecnológicos. O segundo bloco se refere aos recursos canalizados para a produção de conhecimentos relativos à “ciência dos impactos”, ou seja, os impactos das nanotecnologias na sociedade, na economia, na saúde humana, no meio ambiente e na ética. Como resultado desse acompanhamento, 99% dos recursos públicos foram canalizados para a “ciência da produção” e somente 1% para a “ciência dos impactos”.

 

Há uma tremenda diferença na destinação dos recursos públicos. Quais as consequências desse cenário para a sociedade e, em especial, para os trabalhadores?

Paulo Martins - As consequências são várias. A principal é a incerteza decorrente da falta de conhecimento dos impactos das nanopartículas na saúde humana e dos animais, no meio ambiente em seus diversos ecossistemas. É de domínio público como as fibras do asbesto - o conhecido amianto - são prejudiciais à saúde, causando inclusive câncer e a destruição da capacidade pulmonar. Pois as nanopartículas são mil vezes menores que as partículas do asbesto e não há recursos para pesquisar/produzir conhecimentos sobre os impactos das nanopartículas na saúde humana. Somente em 2011 foi publicado um edital público, até agora único, para a constituição de uma rede de pesquisas em nanotoxicologia (que representa 1% dos recursos públicos).

O mesmo podemos dizer do meio ambiente. Não há recursos para se produzir conhecimentos no campo da eco-toxicologia. A regra é a mesma quando nos referimos à saúde do trabalhador. No Brasil, não há estudos sobre o uso das nanopartículas no processo de produção de mercadorias e seus impactos na saúde dos trabalhadores. Portanto, enquanto os conhecimentos destinados à produção de novos processos e produtos nanotecnológicos são produzidos em ritmo de Fórmula 1 com o dinheiro publico, os conhecimentos destinados a entender os impactos dos processos e produtos nanotecnológicos na saúde humana, no meio ambiente, são produzidos em ritmo de tartaruga porque não há recursos públicos para se produzir esses conhecimentos necessários à sociedade.

 

Se o dinheiro é público, por que o investimento não é direcionado para o interesse social? Como você avalia essa situação?

Paulo Martins - Em nossa opinião, isso acontece porque não há qualquer controle social na forma de apropriação dos recursos públicos para o desenvolvimento das nanotecnologias no Brasil. Quem decide são os chamados “cientistas” que estão em postos de decisão no Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação. Esses “cientistas” agem segundo a concepção de que “só pode decidir sobre nanotecnologia quem entende de nanotecnologia”. Como a maioria da população não entende de nanotecnologia nem recebe informações dos cientistas para que possam passar a entender, sempre serão os “cientistas” que decidem e irão decidir. Essa é a visão hegemônica hoje presente nas esferas governamentais de decisão sobre o que fazer com o dinheiro público para desenvolver as nanotecnologias no Brasil.pmartins 06

 

Nesse contexto, o que os trabalhadores e seus sindicatos podem fazer para alterar esse processo de apropriação dos recursos públicos?

Paulo Martins - Essa é a questão central para a mudança do processo vigente. Os trabalhadores devem exigir seus direitos enquanto cidadãos e contribuintes. Isso significa que todo trabalhador deve questionar os órgãos governamentais e seus dirigentes responsáveis para que sejam alocados recursos para a produção de conhecimentos relativos aos impactos das nanotecnologias, não somente sobre a saúde humana e meio ambiente, mas também no que tange à geração e eliminação dos postos de trabalho. As entidades sindicais devem canalizar as cobranças dos trabalhadores (como cidadãos e contribuintes) em suas negociações com os órgãos governamentais, e exigir participação no processo de decisão. O objetivo é procurar estabelecer as prioridades das pesquisas em nanotecnologia no Brasil e a destinação dos recursos públicos.

 

Onde os trabalhadores e seus dirigentes podem encontrar mais informações sobre nanotecnologia?

Paulo Martins – O site da Renanosoma (Rede Brasileira de Pesquisas em Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente) reúne uma valiosa fonte de pesquisa. Vale a pena conferir os dois programas de televisão realizados: o Nano alerta!, dedicado ao mundo do trabalho, e “Nanotecnologia do avesso”, dedicado ao público não especializado. Vídeos, informações gerais, histórias em quadrinhos e livros editados sobre o assunto também estão à disposição.

 

Fotos: Acervo de entrevistas do Renanosoma (retratos de Paulo Martins). George Bosela/SXC.hu (imagem de abertura).

 

Para acessar o site, clique aqui:

logo nano pmartins 

www.nanotecnologiadoavesso.org