Clemente Ganz: Vivemos uma situação pós-guerra sem guerra
23 de Agosto de 2017
Ramo
Nós estamos sendo ocupados sem ter tido uma guerra, alerta o diretor do Dieese à nova direção da CNQ, reunida em SP para planejamento do mandato
O diretor técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio, conversou com a nova direção da CNQ na manhã desta quarta-feira, 23 de agosto, sobre a atual situação do País e os desdobramentos, em especial, que a Reforma Trabalhista terá no desenvolvimento das próximas campanhas salariais. É a primeira vez que a direção da entidade se reúne após sua eleição no VIII Congresso, realizado em julho passado.
Clemente se mostra bastante pessimista com o cenário nacional e destaca que o movimento sindical deve partir das piores projeções para preparar bem sua reação e buscar transformar essa situação. O resultado será fruto da correlação de forças entre os lados.
Confira abaixo alguns trechos da sua apresentação.
Situação pós-guerra sem guerra
Neste momento vivemos uma situação no Brasil muito complicada, inimaginável há dois ou três anos, e semelhante ao que os países passam após uma guerra.
Precisamos ter em mente que estamos organizando, intervindo e atuando o tempo todo num país que é uma das maiores economias do planeta, que tem um dos maiores territórios do planeta. Somos, talvez, o país hoje com maior porte de riquezas naturais do mundo. Nós detemos petróleo, grande área agriculturável com potência para alimentar o planeta, muito minério no solo, maior reserva de água potável do subsolo, importantes reservas florestais. Ou seja, temos a riqueza que é usada pelo capital produzir.
Se nós tivemos guerreado e perdido a guerra, nós estaríamos nessa situação, dominados pelo vencedor. Mas isso depois de uma guerra. Nós estamos transferindo nossos ativos naturais para o controle privado do capital internacional. Empresas estatais estão sendo esquartejadas e vendidas, como a Petrobras, vendendo o pré-sal e a tecnologia que desenvolvemos para extração do pré-sal. Em breve a Eletrobrás. E estamos fazendo isso com o apoio do BNDES, um banco criado há 50 anos exatamente com o obejtivo contrário - impulsionar sua indústria e seu desenvolvimento.
Essa transferência significa uma desnacionalização, transferência da soberania, em grau infinitamente mais grave do que foi feito no período do governo FHC.
Qualquer possibilidade futura que um governo tenha de retomar um projeto de crescimento econômico terá muita dificuldade para fazê-lo.
Estamos desnacionalizando nossas reservas naturais, nossas estatais e nossas empresas nacionais. Cinco mil empresas nacionais que forneciam para a Petrobras foram desmobilizadas... é disso que estamos falando.
Emprego em cheque
Toda essa mudança afetará cada cadeia produtiva, e afetará o emprego. A venda das empresas nacionais pode resultar em três situações: comprada e fechada; comprada e transformada em manufaturadora; e comprada e reestruturada.
A reorganização chamada Indústria 4.0 é um brutal processo de reorganização de todos os serviços que estão relacionados à indústria. Elas estão ocupando espaço e virão para o Brasil fazer a sua integração, afetando o emprego na indústria e brutalmente no setor de serviços.
E precisamos dar um pouco mais de atenção a essa situação.
Para o capital, a competitividade exige que os salários e os custos do trabalho têm de ser competitivos com a Àsia, China, EUA, mas também com a Nigéria.
E a Reforma Trabalhista permite ajustar o custo de trabalho de forma estrutural com segurança para as empresas, sem contestação na justiça e sem contestação dos sindicatos. O acessório da Reforma é: onde houver resistência tem que quebrar, daí as tentativas de quebra da Justiça do Trabalho e dos sindicatos.
Uma empresa vendedora no shopping, por exemplo, poderá ter o volume de horas de trabalho em contratos flexíveis, com ajuste no salário baseado no valor-hora.
Estamos na antessala de ter uma profunda reorganização na base produtiva e com uma base de contrato profundamente flexível. A terceirização é uma delas, mas não é a única. Haverá contratação por pregão (quem aceita ganhar menos, leva).
Há uma mudança estrutural na lógica do direito
Até hoje a Constituição era o piso de direitos e sobre ela estava a legislação, estabelecendo direitos mais avançados. A convenção coletiva tem força de lei, não podendo diminuir direitos estabelecidos. A Reforma altera isso: a negociação coletiva pode reduzir direitos que estão na lei. Tudo pode ser reduzido, exceto o que está na Constituição, que é o básico e bem genérico.
Pela Reforma Trabalhista, a empresa pode obrigar o trabalhador assinar anualmente uma quitação de direitos, e assim ele fica proibido de buscar na justiça irregularidades cometidas.
A lógica é reduzir direitos e reduzir a possibilidade de disputa na justiça.
Empresa está altamente protegida por lei
Toda a lógica da Reforma Trabalhista é expor o trabalhador à submissão do empregador e o sindicato perde seu papel de escudo e proteção do trabalhador.
As empresas adquirem maior segurança para fazer os ajuste sem acumular passivos trabalhistas e vão tentar fazer com que essas novas regras sejam aplicadas também para passivos anteriores.
Justiça do Trabalho passa a ser paga, e o trabalhador perder deverá pagar indenização ao patrão, pois se não tiver provas - que em geral estão na mãos da empresa, pode ser acusado de falsidade, ser processado e condenado a pagar indenização à empresa.
Enfraquecimento dos sindicatos
Na parte referente aos sindicatos, a Reforma Trabalhista dá poder a ele de negociar redução de direitos, dá poder para trabalhadores negociarem via comissão, sem presença do sindicato, e quebra as entidades acabando com todas as formas de sustentação. Para ser sindicalizado e recolher a mensalidade em folha, única forma de sustentação prevista em lei, o trabalhador deverá entregar pessoalmente à empresa uma carta dizendo ao empregador que autoriza o desconto.
A mudança no financiamento não vem com mudança no papel atribuído aos sindicatos, como em outros países nos quais a suistentação financeira das entidades vem dos sócios, porém a Convenção Coletiva só vale para eles (sócios). Aqui no Brasil não. Além de não haver sustentação coletiva, o acordo e convenção valem coletivamente.
Precisamos reorganizar nossas campanhas salariais. Precisamos conhecer com mais profundidade a situação das empresas e dos setores, quem são os trabalhadores, como eles reconhecem o sindicato, qual o contexto econômico da produção da empresa.
Salário agora não é objeto imediato, mas conhecer as estratégias e mudanças e brigar para que o sindicato represente todos os trabalhadores, não mais por categoria.
A experiência internacional está mostrando e o contexto nacional é imperativo em revelar que é necessário repensar a estrutura sindical, fazer uma mudança na organização das entidades, tendo como base que o sindicato é um instrumenro dos trabalhadores e não da sua diretoria.
Reunião da Nova Direção da CNQ-CUT
Os trabalhos desta primeira reunião da nova direção da CNQ-CUT continuam até a tarde de sexta-feira, 25, com o próposito de planejar as ações do mandato e preparar as campanhas salariais do ramo que acontecerão neste segundo semestre.